Correio braziliense, n. 19735, 08/06/2017. Opinião, p. 11

 

Respeito à Constituição

Almir Pazzianotto Pinto 

08/06/2017

 

 

Violar a Constituição, emendá-la ou simplesmente ignorá-la em momentos de crise faz parte dos nossos piores usos e costumes como subdesenvolvidos. Não temos pela Lei Superior o respeito que à Carta Magna devotam norte-americanos e ingleses. Estamos mais próximos do padrão italiano, em que as coisas se resolvem à base do conchavo, como observa Norberto Bobbio em um dos melhores artigos.

A Constituição de 5 de outubro de 1988, denominada Cidadã pelo dr. Ulysses Guimarães, é a sétima ou oitava do período republicano (dependendo do rótulo que for dado à Emenda nº 1/69), a quarta não impregnada de caráter autoritário e a primeira elaborada ao sabor do acaso, pois não nasceu de projeto básico redigido por juristas.

Mais uma vez a Lei Maior é submetida a duro teste. O primeiro no impeachment de Fernando Collor, o segundo na deposição da presidente Dilma Rousseff, quando a sentença condenatória afrontou diretamente os artigos 37, § 4º, e 52, § único, com o aval do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Até hoje o povo não entende como servidora pública, demitida por improbidade administrativa, não foi inabilitada por oito anos, conserva os direitos políticos e percorre o país em campanha contra os que a depuseram e o governo que lhe sucedeu.

O desafio do momento concerne à permanência do vice-presidente eleito Michel Temer, guindado à suprema magistratura da nação após o decreto de impedimento da presidente Dilma Roussef. Surpreendido por gravação de diálogo com o empresário Joesley Batista, irmão de Wesley Batista, altas horas da noite, no subsolo do Palácio do Jaburu, e acusado de relacionamento espúrio com o deputado Rodrigo Rocha Loures, o presidente Temer luta para permanecer no cargo, repelindo pressões para renunciar.

Com afastamento voluntário ou compulsório, a situação, do ponto de vista constitucional, será a mesma. Prescreve o artigo 80 que “em caso de impedimento do presidente e do vice-presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal”. Como nos encontramos nos dois últimos anos do período presidencial, determina o § 1º que “a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”.

A expressão “na forma da lei” do art. 81 dirige-se à Lei nº 4.321, de 7.4.1964, aprovada para permitir apressada eleição, quatro dias depois, do general Castelo Branco à Presidência da República como sucessor de João Goulart, deposto manu militari em 31.3.64. A possibilidade de vacância da Presidência da República despertou estranhos apetites. Surgem nomes ávidos por serem convidados, e outros de defenderem a proposta de antecipação de eleições previstas para 2018, em nítida agressão ao calendário constitucional.

Conquanto o dispositivo constitucional não diga que a eleição dar-se-á entre membros do Senado ou da Câmara dos Deputados, a interpretação racional não pode ser outra. Afinal, a não ser assim teremos 100 milhões de pré-candidatos, de idade superior a 35 anos, com ficha limpa e todo direito de aspirar ao mandato tampão. Em 1964, reduzido colégio eleitoral, composto por 3 membros do Comando Supremo da Revolução, designou o general Castelo Branco para ser eleito indiretamente presidente da República. Hoje, com o sábio recolhimento dos militares às funções constitucionais, comenta-se que ex-presidentes da República confabulariam na busca de nome confiável, comprometido a esvaziar a Lava-Jato. Afastada a via democrática, traçada pela Constituição, como na velha Itália, os conchavos tornam-se atraentes.

Nas atuais condições de temperatura política e pressão popular, o melhor a fazer é deixar o presidente Michel Temer cumprir, sob vigilância, o que lhe resta de mandato. A ideia deve encontrar fortes e justas resistências entre os que estão indignados diante dos últimos acontecimentos, típicos de republiqueta de banana. Pesados, porém, os prós e os contras, e avaliados os riscos de sucessão apressada e improvisada, o melhor a fazer é vigiar e orar (Mateus, 36:40). O respeito à Constituição aponta o caminho das eleições diretas, mas em 2018.

(...)

» ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho