O Estado de São Paulo, n. 45199, 18/07/2017. Política, p. A4.

 

Câmara articula 'distritão' para manter mandatos

 Renan Truffi /Thiago Faria / Igor Gadelha

18/07/2017

 

 

Anti-Lava Jato. Medida é vista por parlamentares como forma de assegurar a própria reeleição em meio ao descrédito político após escândalos como os revelados pela operação

 

 

Deputados do PMDB, PSDB e de ao menos oito partidos do Centrão firmaram acordo para incluir na reforma política o “distritão”. Pelo sistema são eleitos para o Legislativo apenas os mais bem votados em cada Estado. A medida é apontada pelos parlamentares como uma forma de assegurar a própria reeleição e, consequentemente, manter o foro privilegiado em meio ao descrédito com a classe política causado por escândalos de corrupção como os revelados pela Lava Jato.

Hoje um candidato mais votado não garante necessariamente uma cadeira na Câmara. O atual sistema é chamado de proporcional. Ele soma o número de votos de todos os candidatos e na legenda e a partir daí define a quantos assentos o partido terá direito. Os mais votados dentro da sigla são eleitos. Por isso, ocorre o fenômeno dos puxadores de votos, como Tiririca (PR-SP), que podem ajudar a eleger parlamentares com baixa votação.

Sem considerar esse modelo, a ideia é apresentar a emenda do “distritão” durante as discussões, em plenário, do texto do relator, deputado Vicente Cândido (PT-SP), a ser analisado a partir de agosto. Esse modelo pode dificultar a renovação da Câmara e favorecer a permanência dos deputados no poder, uma vez que eles têm recall (são conhecidos por maior parcela do eleitorado pela participação em eleições passadas), visibilidade midiática e máquina administrativa, como acesso a emendas que garantem verbas para obras em redutos eleitorais.

Como o petista sugere um sistema “transitório” para as eleições de 2018, os parlamentares já articulam o “distritão” como sistema permanente. A proposta foi tema de debate em uma reunião na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na quarta-feira passada. Estavam presentes parlamentares do Centrão, do PMDB, da oposição e do PT, que discorda da medida.

O Estado apurou que, no encontro, os deputados debateram abertamente a eficácia do sistema para garantir que eles se mantenham nos cargos a partir das próximas eleições.

A emenda será apresentada pelo deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) e vai transformar os Estados em distritos. O parlamentar, porém, negou que a proposta tenha a finalidade de garantir a renovação dos mandatos. “Isso quem vai decidir é o povo. O ‘distritão’ garante a representação das minorias.”

A bancada do PMDB deverá votar majoritariamente a favor desse sistema. “Há uma maioria na Câmara a favor da proposta, apenas existe uma discordância se o sistema deve ser transitório ou permanente”, afirmou o deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), que não estava presente no encontro. “Só não há consenso porque a oposição é contra”, disse.

Maia é contra a proposta, mas afirmou aos parlamentares que aceitaria uma articulação no caso de o “distritão” ser usado apenas em caráter transitório. Para parlamentares críticos à medida, esse sistema só poderia ser adotado após a aprovação de uma cláusula de barreira para diminuir o número de partidos. A avaliação é de que o “distritão” vai incentivar legendas nanicas a lançar candidatos populares, como artistas, delegados e apresentadores de TV.

 

‘Atraso’. O cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em sistemas políticos, é crítico ao modelo. “É um sistema atrasado, que reforça o personalismo na política e enfraquece os partidos”, afirmou. “O distritão é um sistema com muitos problemas, não é usado em nenhuma democracia tradicional, é um sistema que esteve em vigor no século 19.”

Ele lembrou que, há dois anos, praticamente os mesmos deputados já rejeitaram o “distritão”, durante a votação da minirreforma eleitoral de 2015. Hoje, disse ser “lamentável” o que chamou de “acordos de bastidores”.

O sistema defendido por Cândido em relatório é o distrital misto. Pela regra, o eleitor votaria duas vezes: uma no candidato e outra no partido de preferência.

 

Minirreforma. Em 2015, o sistema foi rejeitado pelos mesmos deputados, aponta o cientista político Jairo Nicolau (UFRJ)

 

PROPOSTAS

Polêmicas em discussão

1. Fundo Eleitoral

Proposta do relator da reforma política na Câmara, Vicente Cândido (PT-SP), cria fundo com dinheiro público para financiar campanhas. Texto prevê divisão que beneficia os grandes partidos.

 

2. Emenda Lula

Relator sugere emenda que impede, a partir de 2018, a prisão de candidatos até 8 meses antes da eleição.

 

3. Autofinanciamento

Candidatos a deputado federal, estadual ou distrital só poderão doar à própria campanha 5% do limite de gastos para o respectivo cargo. É vedado ao candidato a cargo majoritário usar recursos próprios em sua campanha.

 

4. Coligações partidárias

PEC do senador Aécio Neves (PSDB-MG) dá fim às coligações nas eleições proporcionais (vereadores e deputados) e cria cláusula de barreira para partidos.

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Líder de comissão diz que ‘Emenda Lula’ será debatida

Daiene Cardoso / Breno Pires / Marcelo Osakabe

18/07/2017

 

 

Presidente da comissão da reforma política na Câmara, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) disse que pretende aprofundar o debate sobre a “Emenda Lula”, como ficou conhecido o artigo que, se aprovado, impedirá a prisão de candidatos até oito meses antes da eleição. A proposta foi revelada sábado pela Coluna do Estadão.

O peemedebista alegou que não pode interferir no teor do relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP). Ele, porém, afirmou que não vai colocá-lo em votação antes da discussão. “Não pautarei o relatório antes de toda a polêmica ser amplamente debatida”, disse Vieira Lima. Cândido afirmou ao Estado que não vai retirar o artigo do parecer, que deve começar a ser votado em 3 de agosto.

Para o deputado Rubens Bueno (PPS-PR), a proposta é uma “desmoralização”. Ele disse acreditar que a medida não passará no plenário. “Vamos tentar dissuadi-lo. Se (Cândido) não fizer a mudança, vamos derrubar.”

Já o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP), minimizou a polêmica dizendo que a emenda foi apresentada “muito tempo atrás”, sem questionamento. “Isso para nós é uma questão secundária”, afirmou o petista. Segundo ele, o importante é uma reforma política que traga solução para o financiamento das eleições, inclua uma cláusula de desempenho e coloque fim às coligações. Zarattini participou do programa Estadão às 5h, do estadao.com.br.

Um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, que veta candidatura de condenado em segunda instância, o advogado e ex-juiz Márlon Reis disse que é “injustificável” e chamou de “cavalo de Troia” a “Emenda Lula”.

Na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do triplex e disse que pretende disputar a eleição de 2018.