O globo, n.30719 , 14/09/2017. PAÍS, p. 8

Temer recebeu propina de JBS e Odebrecht, afirma Funaro

CHICO OTAVIO

EDUARDO BRESCIANI

VINICIUS SASSINE

14/09/2017

 

 

Segundo delator, R$ 1 milhão em escritório de Yunes pertencia ao presidente e foi enviado a Geddel

A delação do doleiro Lúcio Funaro atinge em cheio o Palácio do Planalto. O presidente Michel Temer e seus principais assessores são acusados na delação de terem recebido vultosas somas de propina ao longo dos últimos anos. O doleiro afirmou ter buscado em 2014 uma caixa com R$ 1 milhão, que seriam de Temer, no escritório de José Yunes, ex-assessor especial e amigo íntimo do presidente. Os recursos seriam parte de um acordo de caixa dois com a Odebrecht. A quantia, segundo o delator, foi remetida para o ex-ministro Geddel Vieira Lima, outro amigo íntimo do presidente da República. O acerto do caixa dois com a empreiteira foi feito, conforme a delação, por Temer e pelo ministro da Casa Civil da Presidência, Eliseu Padilha.

O depoimento esclarece o episódio da caixa com R$ 1 milhão que apareceu no escritório de Yunes. O amigo de Temer deixou a assessoria especial da Presidência da República depois de vir a público a delação de Cláudio Melo, ex-executivo da Odebrecht, que afirmou ter havido entrega de dinheiro vivo no escritório de Yunes em São Paulo em 2014 como parte de um acordo de doação da empreiteira acertado com Temer e Padilha. Yunes, por sua vez, procurou o Ministério Público e afirmou ter recebido uma ligação de Padilha para que recebesse alguns “documentos” em seu escritório. No entanto, um “pacote” teria sido levado por Funaro, conforme a versão de Yunes, que se disse surpreendido.

Temer também foi acusado pelo doleiro de ter sido beneficiário de propina paga pela JBS para obtenção de mudanças de regras no Ministério da Agricultura que favoreceram o frigorífico. O então ministro da Agricultura, Antônio Andrade (PMDB), hoje vice-governador de Minas Gerais, recebeu R$ 3 milhões em propina, e outro R$ 1,5 milhão foi destinado ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

“Temer e Henrique Alves (expresidente da Câmara) receberam parte dessa propina”, disse o delator. “Essa distribuição foi que mantinha a força política de Cunha”, continuou.

Além das acusações contra Temer, Funaro apontou o envolvimento dos dois ministros mais próximos do presidente em negócios ilícitos: Moreira Franco (Secretaria-Geral) e Eliseu Padilha (Casa Civil). Funaro contou que Moreira recebeu recursos para viabilizar a liberação de um empréstimo para uma empresa do grupo Bertin que tinha recebido multas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e não poderia ter acesso ao crédito. Sobre Padilha, relatou o transporte de recursos de caixa dois pagos pela Odebrecht.

De acordo com Funaro, Moreira atuou para a liberação de um crédito de R$ 300 milhões para a empresa CIBE, do grupo Bertin. Em troca, houve o pagamento de comissão de R$ 12 milhões, tendo o hoje ministro ficado com 60% dos recursos. Funaro ficou com 15% e o expresidente da Câmara Eduardo Cunha com 25%. Segundo o delator, Cunha fazia os repasses da parte de Moreira e chegou a cobrá-lo por atrasos. A empresa tinha dificuldade em obter os recursos por ter sido multada pela Aneel por descumprimento de prazos contratuais de usinas térmicas. Funaro procurou Cunha perguntando se Moreira podia ajudar e ouviu como resposta: “ó, dando dinheiro, o Moreira faz qualquer coisa”.

Em relação a Padilha, além da atuação no repasse para Yunes, o doleiro afirmou que advogados ligados ao ministro, a Temer, a Cunha e ao empresário Joesley Batista, da JBS, monitoraram desde o ano passado a possibilidade de que ele viesse a fazer um acordo de delação premiada. O GLOBO obteve anexo no qual o delator relata como ocorreu o monitoramento e confirma ter recebido dinheiro da JBS enquanto estava preso para que ficasse em silêncio.

Funaro também detalha diversos pagamentos feitos a Cunha, Alves e Geddel, todos presos. Ele estimou que somente por negócios na Caixa recebeu junto com os três cerca de R$ 170 milhões em propina. “Os valores liberados através de esquema na CEF foram em torno de cinco bilhões de reais, sendo cerca de 170 milhões de reais em propina”, afirma Funaro em um dos anexos.

O Planalto, em nota, rebateu as acusações contra Temer: “Versões de delator já apontado pelo Ministério Público Federal como homem que traiu a confiança da Justiça não merecem nenhuma credibilidade. O criminoso Lúcio Funaro faz afirmações por ‘ouvir dizer’ ou inventa narrativas para escapar de condenação”.

O ministro Padilha disse que não conhece Funaro e que nunca esteve com ele. “Logo, nunca tratou de nenhum assunto aos quais ele se refere”. Em nota, Moreira também se pronunciou: “o papel aceita tudo. Trata-se de um delator profissional que terá que provar nos autos as suas infâmias”.

Também em nota, Eduardo Cunha afirma que a delação não trouxe provas e apenas corrobora depoimentos de outros colaboradores.