Concessões no Congresso pioram o déficit fiscal

10/08/2017

 

 

Deixado livre de amarras pela fraqueza do Executivo, o Congresso está minando os alicerces da "ponte para o futuro" que o governo de Michel Temer pretendia construir. Quando a força numérica da bancada governista é o que mais conta para preservar o presidente, acuado, como seu círculo palaciano, por denúncias, a coerência de um programa econômico sóbrio acaba desfigurada pela feira livre de interesses parlamentares. Como no passado, acumulam-se exemplos de projetos criados ou alterados pelo Legislativo, que são nocivos para a economia, aos quais o Executivo não tem a intenção de se opor. A equipe econômica tem rumo e corretos propósitos, mas a dependência política do Planalto é o fato dominante ao qual a lógica da busca de recuperação da economia termina por se render.

A base de apoio governista, no geral, é de baixa qualidade, como era durante o mandato da petista e Dilma Rousseff - na verdade, era a mesma turma, excluídos o PSDB e o DEM. Diante de um grave desequilíbrio das contas públicas, a maior parte das siglas de aluguel não apenas eximem-se de qualquer responsabilidade como comportam-se com o dinheiro público como se os tempos fossem normais. O polo aglutinador e que deveria dar a direção dos projetos prioritários é a coordenação política do Planalto. Mas ela gasta grande parte de seu tempo barganhando apoios e procurando assegurar a sobrevivência do governo.

A novela do novo Refis, um programa de alívio fiscal que se tornou anual, é só um exemplo entre vários. A bancada da dívida na Câmara, por meio do deputado mineiro Newton Cardoso Jr., do partido do presidente Temer - que tem compromissos vencidos de R$ 67 milhões -, produziu pela segunda vez mudanças que levaram a expectativa de arrecadação imediata de R$ 13 bilhões a minguar drasticamente para R$ 500 milhões, com perdão generoso de 99% de multas, juros e encargos em alguns casos e prazo de pagamentos de até 20 anos. Em 2018, a expectativa de arrecadação do programa, se aprovado, cairá cerca de R$ 20 bilhões.

Perdões generosos embalaram também o Refis rural, as dívidas dos ruralistas com o Funrural, destinado à Previdência que o governo quer reformar. O governo aceitou na MP 793 abatimento de 25% das multas, perdão de 100% dos juros, prazo de 14 anos e 8 meses de pagamento, com entrada de 4% parcelada em 4 vezes, correção dos débitos pelo IPCA, além da redução da alíquota do próprio tributo de 2% para 1,2%. Nos próximos três anos, a renúncia fiscal do projeto oficial é de R$ 5,44 bilhões. Os ruralistas querem condições ainda mais favoráveis e pespegaram 743 emendas à MP (Valor, ontem). O que o Executivo não aceita no Refis urbano, o abatimento total dos juros, é dado de barato no Refis rural.

Como era esperado, a novela da convalidação dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados acabou mal. A equipe econômica jogou certo, exigiu corte paulatino dos incentivos ao longo dos 15 anos do prazo para sua extinção. Antes a convalidação era um passo vinculado à redução e uniformização das alíquotas do ICMS, em um quadro coerente que poria fim à guerra fiscal. O resultado agora pode ser o oposto. Não há unificação de alíquotas, admite-se o que se queria evitar, a concessão de novos incentivos, com regras mais flexíveis para sua aprovação.

O rebaixamento da reforma da previdência a uma "atualização" terá efeitos no curto prazo. O secretário da Previdência, Marcelo Caetano, vê um aumento do déficit previdenciário de R$ 20 bilhões em 2018 na ausência da aprovação do texto aprovado na comissão especial (O Estado de S. Paulo, ontem). Como esses gastos avançarão R$ 40 bilhões em 2018, e haverá elevação da folha de salários por força de reajustes já concedidos, estima-se que o teto de gastos será excedido em algo como R$ 10 bilhões (Valor, ontem). O governo cogita elevar impostos para conter o rombo.

Como fica óbvio pelos números, as benesses concedidas no Congresso têm impacto importante no déficit fiscal. Elevar impostos para permitir que o presidente Temer pague suas dívidas políticas é um expediente ruim, danoso para as contas públicas. Seria importante que o presidente fizesse esforços junto aos partidos aliados, nesse momento de aguda crise fiscal, para barrar no Legislativo todas as iniciativas que implicassem redução de receitas.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4316, 10/08/2017. Opinião, p. A12.