Para economistas, mudança exige medidas que garantam o ajuste fiscal

Estevão Taiar e Lucas Hirata

15/08/2017

 

 

Para que a possível mudança do déficit primário deste e do próximo ano para R$ 159 bilhões não afete significativamente o humor do mercado é preciso que ela venha acompanhada de uma mensagem de que o governo continuará o ajuste fiscal pelo lado das despesas, avaliam economistas. "Teremos que observar o que virá além do número", diz Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra. "Qualquer mudança de meta fiscal precisa ser acompanhada de novas medidas que deixem claro para o mercado que essa alteração é uma resposta à decepção com a arrecadação, e não um afrouxamento de despesas", diz o estrategista-chefe no Banco Mizuho, Luciano Rostagno. Kawall elogia medidas já confirmadas pelo governo e outras que ainda são especuladas em torno do funcionalismo. Entre elas estão o adiamento do reajuste salarial para 2019, a alta da alíquota previdenciária e limites para salários. "São medidas duras, mas necessárias", diz. Mas "a grande vitória", segundo ele, seria a aprovação da reforma da Previdência, que fortaleceria a confiança no ajuste de longo prazo. Rostagno também defende que a alteração do alvo fiscal sem a indicação de esforços governamentais do lado das despesas tende a trazer piora ao mercado. "Se a sinalização for de que o governo continuará cedendo às pressões políticas e afrouxar os gastos, isso pesará sobre os mercados", diz.

O risco de um novo rebaixamento do rating do Brasil seria consequência da deterioração fiscal, segundo ele. Mas Rostagno diz que o impacto dessa piora do rating seria limitado. "É um sinal de que governo não endereça os problemas fiscais, mas não parece um evento que seria catalisador de saída de capitais do Brasil." Ele lembra que o país perdeu grau de investimento nos últimos anos, e, sendo assim, outras mudanças de rating não teriam tanta influência na alocação de capitais no Brasil. Para 2017, nos cálculos de Kawall, há um rombo de algo entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões, em relação aos R$ 139 bilhões de meta. Isso, somado ao fato de o ano já ter passado da metade - o que diminui o risco de surpresas negativas -, facilita o cumprimento da meta. Mesmo assim, ele coloca nessa conta receitas extraordinárias que devem entrar nos cofres públicos até o último dia de dezembro, como R$ 11 bilhões do leilão de usinas hidrelétricas e R$ 10 bilhões daqueles ligados à Agência Nacional de Petróleo (ANP). Já a meta do ano que vem, segundo Kawall, é mais difícil de ser atingida. Ele calcula que o rombo é de R$ 50 bilhões, o que significa que o déficit de R$ 129 bilhões estimado pelo governo atingirá, se nada for alterado, R$ 179 bilhões. Além disso, o clima é pouco propício para o aumento de impostos. "É só olhar o que aconteceu com a reoneração", diz, em referência à Medida Provisória 774, cujo prazo para votação estourou. Mas ele afirma que, dado o intervalo de tempo até o fim de 2018, a previsão feita pelo Safra para o ano que vem tem um nível de precisão menor do que a deste ano. Na quinta-feira, a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado que tem a função de monitorar as contas públicas, já havia revisado para baixo suas projeções para os resultados primários do governo central de 2017 e 2018. As estimativas passaram de R$ 144,1 bilhões para R$ 156,2 bilhões e de R$ 166,2 bilhões para R$ 153,3 bilhões, respectivamente. Mas o resultado do ano que vem leva em conta um eventual contingenciamento de R$ 30 bilhões, que, se não for realizado, faria o déficit atingir R$ 183,3 bilhões.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4319, 15/08/2017. Brasil, p. A3.