Risco-país brasileiro tem recuo mesmo com piora de cenário fiscal

Lucas Hirata

15/08/2017

 

 

Mesmo com a deterioração do quadro fiscal, que pode culminar com a revisão da meta de déficit primário para 2017 e 2018, e a ameaça de um rebaixamento do rating soberano, a percepção do investidor estrangeiro em relação ao Brasil demonstra uma aparente contradição. O risco-país chegou até a ensaiar uma piora com o novo capítulo da crise política, em meados de maio, mas já devolveu toda alta.

O que chama a atenção é que, no período pré-crise política, o governo avançava com relativa força na agenda fiscal e a reforma da Previdência - considerada fundamental para que as contas públicas não entrem em colapso nos próximos dois anos - contava com grande chance de aprovação. Agora, não só uma revisão nas regras de aposentadoria parece mais difícil de sair como o governo já trabalha com um déficit primário muito mais negativo do que se previa - cenário hoje compatível com uma piora da confiança do investidor, o que não ocorreu e, portanto, sugere que há algo mais interferindo na avaliação do risco-país.

Os contratos de cinco anos de "credit default swap" (CDS, que mede o preço que os investidores pagam para se proteger de um calote do governo do Brasil), depois de atingir o pico de 269 pontos-base com o estouro da crise recente, hoje são negociados por volta dos 200 pontos. No último dia 7, o indicador chegou a cair para 194 pontos-base, menor nível desde o fim de 2014.

O que está por trás da queda do CDS, em boa parte, é o cenário global muito mais favorável a emergentes como um todo, o que beneficia ativos de risco, como moedas, ações e também bônus de países dessas praças. Nesse contexto, o CDS de várias outras economias também teve um recuo importante, acompanhando a melhora do preço pago por bônus soberanos desses países, no mercado secundário.

Entre o dia 17 de maio e a mínima mais recente, também no começo da semana passada, o risco-país do México registrou a maior baixa dentre os pares do Brasil, com recuo de 22 pontos-base, para 98 pontos, de acordo com dados da Markit. O movimento também se reflete nos números da África do Sul (queda de 21 pontos, a 174 pontos-base), da Colômbia (menos 10 pontos, a 122 pontos-base) e Rússia (baixa de 6 pontos, a 151 pontos-base).

No caso brasileiro, a queda do CDS tem um ritmo até mais lento que boa parte dos pares, com baixa de 12 pontos, para 194 pontos-base, se considerado o nível de 206 pontos-base, registrado no dia 17, antes da divulgação das conversas entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista.

"Grosso modo, o custo do CDS é um prêmio pago sobre o juro internacional, mas o fato é que esse prêmio vai ser tão maior quanto for a aversão ao risco global", explica Adriana Dupita, economista do Santander. Isso significa que o custo do seguro contra calotes, como o CDS é conhecido, ainda serve de termômetro de risco doméstico, mas não pode ser lido de maneira isolada. "Se fosse só pelo contexto nacional, poderia não ter voltado para o mesmo nível de maio porque, no mínimo, há incerteza com a reforma da Previdência, entre outros temas fiscais", acrescenta.

Adriana aponta que, apesar das dúvidas sobre a execução da agenda reformista, a percepção é de que há "um descolamento parcial da economia em relação à política no Brasil". Isso acontece principalmente porque existe uma leitura no mercado de que é baixo o risco de mudança nas linhas gerais de condução da política econômica. "Duvido que o CDS tivesse caído dessa maneira se não houvesse esforços fiscais do governo", diz. Ainda assim, o deslocamento só é parcial "porque continuamos dependendo do que vai acontecer em relação à reforma da Previdência, que é necessária e complementar à PEC do teto de gastos", acrescenta.

Para o sócio e gestor da Rosenberg Investimentos, Marcos Mollica, a melhora dos preços de ativos domésticos se apoia, pelo menos por enquanto, na busca de investidores globais por ativos mais rentáveis. Isso atenua o efeito da percepção de risco local. O pano de fundo desse movimento é a leitura de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) e o Banco Central Europeu (BCE) devem manter as políticas monetárias acomodatícias por algum tempo, uma vez que a inflação nos países desenvolvidos ainda se mostra frágil. "O mercado fica um pouco anestesiado por esse fluxo global, que ainda é muito relevante", diz.

Até julho, os mercados emergentes já acumulavam oito meses seguidos de entrada líquida de capital estrangeiro, de acordo com dados do Instituo de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês). Essa é a maior sequência de fluxo de investimento em carteira desde 2014. Considerando apenas o mês passado, o IIF estima que foram alocados US$ 19,9 bilhões em portfólio de emergentes.

Os mercados de dívida receberam US$ 13,5 bilhões, enquanto as entradas em renda variável somaram pouco mais de US$ 6 bilhões. A instituição atribui essa diferença entre os produtos em parte à "continuidade da atratividade do carry trade [operação que busca ganhar com o diferencial de juros entre países]".

"É preciso ter em mente que os investidores tendem a pensar nos mercados emergentes como um todo, e o cenário para esses mercados atualmente é positivo", destacou James McCormack, diretor-gerente e chefe global do grupo de soberanos e supranacionais na Fitch, em entrevista recente ao Valor. "Pode ser surpreendente ouvir que a visão lá fora não é tão negativa quanto dentro do Brasil", disse.

O BNP Paribas destaca que "não seria surpresa" o CDS de cinco anos do país cair a 180 pontos-base. Para a projeção, foram usadas cinco variáveis: taxa Selic, resultado fiscal primário, dívida pública total, variação real do PIB em base anual e inflação também em base anual. "O impacto do fator dinâmica de dívida sobre o CDS até 2018 deixa o CDS projetado abaixo dos patamares atuais. A tendência continua de queda", diz a instituição.

A trajetória de queda do risco-país não está livre de novos obstáculos e o custo do CDS de emergentes, incluindo o brasileiro, já passou por alguns ajustes. Para o país, em especial, o caminho ainda pedregoso ficou mais evidente nos últimos dias quando o aumento das tensões geopolíticas no exterior se somou às incertezas em torno da consolidação fiscal. Ainda assim, a pressão de alta nos CDS foi bastante limitada se comparada com os picos recentes, do evento JBS (269 pontos) até a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, em novembro passado (326 pontos).

Os riscos ao cenário seguem à espreita. Mollica, da Rosenberg, faz coro sobre a necessidade de aprovação da reforma da Previdência, algo que não está no cenário base do especialista. A disputa eleitoral de 2018 também entra no radar. Isso poderia se somar ainda a uma reprecificação da política de aperto monetário do Federal Reserve. Foram dois movimentos do BC dos EUA neste ano e os agentes financeiros só esperam uma nova elevação em 2018.

Entre os pontos de atenção de curtíssimo prazo está um possível rebaixamento do rating do Brasil. A S&P ainda tem a nota de risco soberano sob observação negativa e deve anunciar a decisão sobre o possível rebaixamento do país até o fim deste mês. Para os especialistas e profissionais de mercado, entretanto, isso não estaria nos preços dos ativos. E, por ora, não parece gerar movimentação significativa nos ativos.

"É difícil ver uma ação de rating que não tenha sido contemplada nos preços anteriormente", diz Rodrigo Borges, diretor de renda fixa e multimercados da unidade brasileira da Franklin Templeton. "Não lembro de ter visto uma decisão dessa que tenha gerado grande reação dos ativos. Em geral, isso segue algo que já aconteceu e, por isso, o mercado já sabe as justificativas", acrescenta. Vale destacar que o CDS do Brasil ultrapassou os 500 pontos-base quando perdeu o grau de investimento, em setembro de 2015.

Para Borges, o CDS e os ativos domésticos "não ignoram o que acontece aqui" mesmo com a melhora dos preços. Ele destaca que o indicador de risco está historicamente num nível elevado, uma vez que já esteve mais próximo da pontuação do México e outros pares. "Estamos mal colocados", diz. Por outro lado, a estabilização - mesmo que gradual - da atividade econômica, as contas externas e a inflação baixa contribuiriam para conter uma piora das métricas de risco do Brasil.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4319, 15/08/2017. Finanças, p. C1.