Correio braziliense, n. 19740, 13/06/2017. Mundo, p. 12

 

Vozes silenciadas

Rodrigo Craveiro

13/06/2017

 

 

Os gritos ecoaram por 150 cidades: “Fora, Putin!” e “Rússia sem ladrões”. Alexei Navalny, um dos principais líderes da oposição ao Kremlin e da marcha nacional contra a corrupção, pretendia se unir ao movimento, em Moscou, e foi detido por oito policiais ao sair de casa. Pouco depois da zero hora de hoje (18h de ontem, em Brasília), a Justiça o condenou sumariamente a 30 dias de prisão por “violações de regras sobre concentrações públicas”. Enquanto o presidente Vladimir Putin comemorava o Dia Nacional da Rússia — a assinatura da Declaração de Soberania Estatal da Federação Russa, em 12 de junho de 1994 —, forças de segurança detinham 1.806 manifestantes, 750 deles em Moscou e 900 em São Petersburgo, de acordo com a ONG OVD-Info. Também foram registradas prisões em Vladivostok  (extremo leste), em Norisk (norte) e em Sochi (sul). O aparato repressivo lançado pelo governo atraiu a condenação de organizações de defesa dos direitos humanos e da Casa Branca. A Human Rights Watch (HRW) lamentou que o governo russo continue com a repressão à liberdade de reunião e de expressão, tachou de “desproporcional” a detenção de centenas de pessoas e colocou em xeque a isenção dos tribunais.

“O protesto abordou vários problemas. Além de condenarem Putin; o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev; e a corrupção, as pessoas exigiram a renúncia do prefeito Georgy Poltavchenko e se opuseram à transferência do Museu da Catedral de São Isaac para a Igreja Ortodoxa”, contou ao Correio Michael Roskin, 25 anos, morador de São Petersburgo e ativista do Rússia Aberta, movimento criado pelo prisioneiro político Mikhail Khodorkovsy. Durante o protesto na cidade, um imenso pato de borracha inflável foi apreendido pela polícia, aos gritos de ‘Peguem-no!’. “O pato é o símbolo da corrupção russa. Em um filme, Alexei mostrou a casa de Medvedev, onde havia uma casa para patos na lagoa. As pessoas associaram a ave à corrupção do premiê”, explicou Roskin.

Para Lilia Shevtsova, chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou), os protestos nacionais demonstram o nível crescente de insatisfação entre vários segmentos da sociedade russa. “Nós podemos observar que a geração mais jovem está ficando inquieta e pronta a apoiar líderes radicais, como Navalny. O Kremlin decidiu usar a violência e o medo, com a imposição de sentenças aos detidos”, afirmou à reportagem. A especialista alerta que o governo Putin terá que ser cauteloso. “Uma violência massiva poderia provocar uma onda de ira ainda mais intensa. Ninguém pode prever as repercussões dos protestos, mas uma coisa é clara: a Rússia está entrando em um período de turbulência.”

O bielorrusso Alex Kokcharov, analista da IHS Market Country Risk (em Londres), admite que Navalny se transformou de ativista contra a corrupção em um líder opositor nato. “O mais importante é que ele conseguiu atingir pessoas de várias regiões. Agora, ele constrói uma campanha política nacional”, disse. Segundo ele, trata-se de um desenvolvimento inédito na Rússia, onde a política foi esterilizada pelo Kremlin no começo da década passada. “O governo russo provavelmente escolherá políticas ainda mais repressivas, especialmente sobre a regulação da internet, das ONGs e dos partidos políticos. Putin não se importa com a democracia. Aliás, a Rússia é uma democracia de fachada. Nenhuma das instituições do Estado trabalha como a Constituição as concebeu, tudo é decidido pelo Kremlin. A Rússia está sob  controle manual de Putin, incluindo os tribunais e a mídia”, acrescentou Kokcharov. Ele prevê novos protestos antes das eleições presidenciais de março de 2018 e aposta que Navalny terá a candidatura vetada. “Putin terá uma vitória incotestável no pleito.”

Competidor

Kokcharov compara os protestos de ontem à mobilização de 26 de março passado, quando milhares de jovens tomaram as ruas de Moscou e de dezenas de cidades e a tropa de choque foi convocada para controlar a multidão. Professor de política do leste e do centro da Europa pela Universidade da Pensilvânia e analista do Centro Davis para Estudos Russos e Euro-asiáticos da Universidade de Harvard, Mitchell A. Orenstein disse ao Correio que Putin vê Navalny como um potencial competidor pelo poder. “A reputação do presidente é vulnerável às evidências de corrupção. Por isso, os ataques de Navalny o atingem.”

Repúdio de Washington

Em rara condenação ao governo de Vladimir Putin, a Casa Branca criticou ontem a repressão aos protestos em todo o país e pediu ao Kremlin a imediata libertação dos manifestantes pacíficos. “O povo russo merece um governo que apoie as ideias de livre mercado, um governo transparente e responsável, tratamento igualitário sob a lei e capacidade de exercer os seus direitos sem medo de represálias”, declarou Sean Spicer, porta-voz da Casa Branca. O governo de Donald Trump qualificou a detenção de observadores de direitos humanos e de jornalistas como “afronta aos valores centrais da democracia”.