O globo, n.30735 , 30/09/2017. PAÍS, p.3

O ‘profeta’ Joesley

MIGUEL CABALLERO

30/09/2017

 

 

Em conversa de março, empresário antecipa delação de Funaro e fareja risco para si próprio

Empresário manifestou a sócios o receio de contar tudo e depois ver sua delação anulada — ele agora está na prisão

Em áudios entregues pela defesa da JBS à Polícia Federal, Joesley Batista, dono da empresa e que hoje está preso, reclama da lei contra organizações criminosas, de 2013, que regulou a delação premiada. Em conversa com um interlocutor identificado como Gabriel, ele comenta a sensação que teve ao ler o texto da lei: “Falei: eu sou um criminoso e eu faço parte de várias organizações criminosas”, diz. Especialista na arte de fazer negócios com políticos e com o governo, como indica o volume de repasses do grupo J&F descoberto pelas investigações, Joesley Batista revelou-se também um bom analista do cenário político-jurídico nacional. Áudios divulgados ontem pela revista “Veja” mostram o dono da JBS antecipando, em março, desenrolar de fatos que aconteceriam após a hecatombe de sua delação premiada, revelada pelo GLOBO em maio.

Conversando com o executivo Ricardo Saud, o diretor-jurídico da JBS, Francisco de Assis e Silva, e a advogada Fernanda Tórtima, logo após um encontro com procuradores do MPF de negociação de sua delação, Joesley prevê o movimento do doleiro Lúcio Funaro.

— (A delação da JBS) vai destruir a aliança Lúcio-Eduardo (Cunha) — diz o empresário, que prossegue após Tórtima opinar que “todo mundo vai dar com a língua nos dentes”.

— O Lúcio (Funaro) vai meter o cacete no Temer, com toda a força. Tem duas coisas adicionais. Quem que gravou? Não foi o garçom que gravou. Foi o maior empresário brasileiro que gravou, foi lá, 11 da noite, e tal. Quando explodir, em segundo, vai quebrar a aliança Eduardo Cunha-Lúcio. Nós vamos parar de pagar o Lúcio, o que vai acontecer? Primeira coisa, a mulher vai largar dele, óbvio. Segunda coisa, ele vai enlouquecer — diz Joesley, seis meses antes de a delação de Funaro, muito comprometedora para Temer, vir à tona.

Em outro trecho, Joesley consegue farejar, ainda que por caminhos tortos, o maior risco que ele corria após fechar o acordo com o MPF — uma eventual rescisão da delação, o que acabou ocorrendo e o levou à prisão há duas semanas. Na conversa, o empresário e seus sócios demonstram ansiedade para que o MPF aceite a condição de lhe dar imunidade. Em dado momento, Joesley alerta que isso poderia não ser garantia suficiente, e afirma que colher informações e, posteriormente, anular acordos é sempre um desejo oculto dos procuradores.

— Viu a felicidade deles (procuradores) em derrubar um acordo? “Esses babacas vêm, se fodem, e no final a gente derruba o acordo deles”. Entendeu? É o que eles mais gostam. A goleada deles sabe o que é? É você vir aqui, ajoelhar no milho, contar tuuuudo e deixar uma pontinha, um rabinho de fora. Aí outro vem, conta e derruba seu acordo. Pronto, você fica com cara de idiota. Ou seja, ele pegou tudo, e ainda te fodeu.

A advogada Fernanda Tórtima também traça previsões que se mostrariam acertadas. Primeiro, ela avalia aos executivos do grupo que os procuradores gostaram da proposta de delação (incluindo a exibição dos áudios gravados com Temer e Aécio) e que eles “jamais vão perder a oportunidade” de fechar o acordo de delação, uma preocupação de Joesley.

A certa altura, Assis e Silva opina que o único risco de a delação não ser aceita pelo MPF é “se Janot tiver compromisso político de proteger Temer”. De imediato, Tórtima descarta esta hipótese e acerta também na previsão de que Janot não conseguiria fazer seu sucessor à frente da PGR.

— Ele não tem mais nenhum (compromisso político), está saindo. E o candidato que ele gostaria de botar no lugar dele, ele não vai conseguir botar, que é o (então vice-procurador José) Bonifácio... Seria ótimo — diz a advogada, errando apenas na preferência de Janot, que acabou sendo por Nicolau Dino, preterido por Temer em favor de Raquel Dodge, pertencente a grupo diferente do de Janor no MPF.