Ajustes são bem vistos, mas chegam atrasados

Marta Watanabe, Arícia Martins, Lígia Martins e Estevão Taiar

16/08/2017

 

 

A elevação da meta de resultado primário de déficit de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões para 2017 já era esperada por conta da frustração de receitas mas, para economistas, medidas de contenção de despesas, embora bem-vindas, chegam atrasadas e ainda em dose tímida. Marcos Lisboa, presidente do Insper, diz que o governo se concentrou em alguns temas e não houve medidas visíveis para resolver o desequilíbrio de curto prazo. Para ele, medidas divulgadas ontem, como revisão de carreira e elevação da alíquota previdenciária são um começo nesse sentido. A revisão de meta divulgada ontem, diz ele, também é resultado de um erro de previsão do governo, com a expectativa de retomada da economia muito mais forte. "E nessa onda anterior de otimismo reajustes salariais foram permitidos", lembra ele. Nem tudo, porém, são más notícias, diz Lisboa. "A política monetária funciona e a possibilidade de redução da taxa de juros combinada com inflação baixa vai permitir recuperação de parte do que perdemos. Não deve haver efeito no produto potencial, mas pode haver melhora da atividade, do emprego e da renda." É preciso, diz ele, verificar se essa situação será aproveitada para enfrentar a agenda necessária no campo das despesas.

Para André Gamerman, economista da Opus, as medidas de contenção de gastos divulgadas ontem são um bom começo, mas poderiam ser mais duras. O reajuste dos salários dos servidores públicos poderia, diz ele, ser adiado por período maior que 12 meses. "Outra coisa é a contribuição previdenciária dos servidores, cuja proposta é aumentar de 11% para 14%. Essa alíquota poderia ser maior." No mundo inteiro, destaca, quando há déficit nos regimes previdenciários, os participantes são chamados a contribuir mais. De qualquer forma, avalia Gamerman, qualquer ajuste ou corte de despesas tem efeito temporário sem reforma previdenciária, essencial para o ajuste fiscal no curto, médio e longo prazos. A análise de Lisboa vai no mesmo sentido. Ele destaca que o gasto enfrenta problemas estruturais, com despesas obrigatórias que não param de crescer. As despesas previdenciárias são parte importante disso, mas a reforma ainda não vingou e a essa agenda crucial de reformas estruturais não se esgota nela. O diretor Instituição Fiscal Independente (IFI), Gabriel Leal de Barros, afirma que, como "a frustração de receita tem sido bem elevada", o governo foi obrigado a rever a meta também para depois de 2018, como vinha prevendo a IFI. Nos cálculos da instituição, no entanto, o país só voltará a registrar superávits em 2023. Para ele, as medidas de contenção de gastos com funcionários públicos anunciadas ontem à noite "vão na direção necessária, uma vez que essas são a segunda maior rubrica do orçamento, atrás apenas do RGPS (Regime Geral de Previdência Social)". "No entanto, vale chamar a atenção para a necessidade, continuada, de reavaliação da grande âncora de ampliação inercial e histórica do déficit público: a robusta taxa de expansão da despesa primária", diz Barros.

Para Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wyman, a revisão da meta, apesar de já esperada pelo mercado, não reduz o problema fiscal. "Nós vamos revisar a meta até quando? Os países quebram. Há questões que precisam ser enfrentadas do ponto de vista dos gastos, como reforma previdenciária, limitação de salários do funcionalismo público e privatização. O país não cabe mais na arrecadação." A redução das receitas primárias em relação às projetadas, lembra ela, mostra que a capacidade de o Estado inchado gerar receitas está exaurida para receitas ordinárias e extraordinárias. Na divulgação das novas metas, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, informou que a previsão de receitas primárias em 2017 caiu R$ 42,5 bilhões ante o número da Lei Orçamentária Anual (LOA). A redução aconteceu por conta do efeito da inflação na arrecadação e de previsões de receitas menores do que as esperadas com repatriação e o novo Refis. A mudança da meta mostra que o governo "não conseguiu fazer seu dever de casa, empenhando-se apenas na busca pela redução dos gastos existentes, mas ignorando rever a dimensão exagerada da estrutura atual do Estado, sempre em expansão há décadas", disse a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo (FecomercioSP) em nota. O anúncio de novas metas para 2017 e 2018 era aguardado pela comunidade científica. A expectativa é que o aumento da meta abra espaço no Orçamento para que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) consiga garantir o pagamento de 90 mil bolsistas até o fim do ano. O presidente do CNPq, Mário Borges Neto, diz que o órgão só tem recursos para pagar bolsas até setembro.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4320, 16/08/2017. Brasil, p. A4.