O globo, n.30734 , 29/09/2017. PAÍS, p.4​

Lava-Jato deve apurar se Lula teve intenção de obstruir Justiça

CLEIDE CARVALHO

DIMITRIUS DANTAS

GUSTAVO SCHMITT

29/09/2017

 

 

Empresário reafirma, em petição a Moro, que assinou recibos de uma só vez

A defesa do empresário Glaucos da Costamarques entregou ontem à noite ao juiz Sergio Moro uma petição na qual reafirma que seu cliente assinou, de uma única vez, os recibos de aluguel do apartamento vizinho ao do ex-presidente Lula referentes ao ano de 2015. O empresário relata, no documento, que suas assinaturas foram colhidas por um contador em algum dia entre 7 e 29 de dezembro de 2015 em um quarto do Hospital SírioLibanês, em São Paulo, onde se recuperava de uma cirurgia no coração. A informação foi antecipada ontem no GLOBO.

Na petição, os advogados não informam quando o empresário assinou os recibos de aluguéis referentes a outros anos. Na segunda-feira, a defesa de Lula entregou 26 comprovantes de pagamentos que teriam sido feitos ao empresário pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, com datas que vão de agosto de 2011 a dezembro de 2015. Nesse processo, o Ministério Público Federal (MPF) afirma que o aluguel, na verdade, foi pago pela Odebrecht.

O ex-presidente nega. O GLOBO mostrou ontem que o MPF deve pedir uma perícia nesses documentos.

Se a análise técnica apontar irregularidades nos recibos, a situação do ex-presidente Lula na Lava-Jato pode se complicar. Na avaliação de investigadores, será necessário apurar se houve intenção de obstruir a Justiça, já que um dos réus dessa ação (Costamarques) teria sido procurado durante as investigações com o objetivo de forjar provas. Em situações como essa, a perícia é capaz de dizer se documentos foram produzidos no mesmo dia ou pela mesma máquina, por exemplo.

Ainda de acordo com a petição, a visita do contador João Muniz Leite a Costamarques ocorreu dias após um encontro, também no hospital, com o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula. Os advogados do empresário pediram à Justiça Federal que requisite ao Sírio-Libanês o registro de visitas no período em que Costamarques esteve internado para comprovar o que está falando.

O contador foi procurado pela reportagem ao longo do dia, mas não foi localizado. Segundo os advogados de Costamarques, após esse episódio os alugueis começaram a ser pagos. Em depoimento ao juiz Moro no último dia 13, o empresário afirmou que não tinha recebido nada até 2015.

“Os recibos referentes à locação foram exigidos (...), em razão da existência do contrato de locação, e corresponderam à confiança, amizade e grande estima que devotava ao primo José Carlos Bumlai”, escrevem os advogados na petição. O pecuarista foi quem apresentou o negócio a Costamarques.

Os pagamentos foram declarados tanto nas declarações de imposto de renda de Lula quanto do empresário. Sobre isso, a defesa de Costamarques afirma que “deu-se em razão da própria existência do contrato de locação, da promessa de pagamento de todas as parcelas pelo seu primo e da orientação de que deveria, sim, declarar tais valores e sobre eles pagar o respectivo imposto”.

Os envolvidos nas explicações sobre o pagamento do aluguel divergem. Em depoimento a Moro, também no último dia 13, Lula afirmou que não sabia onde estavam os recibos, pois quem cuidava dos assuntos domésticos era Marisa Letícia. O advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula e assessor em negócios imobiliários, afirmou que não era o responsável por cuidar dos pagamentos de aluguel e que fez apenas o contrato de locação, firmado em 2011, entre Marisa Letícia e Costamarques. Teixeira disse que Costamarques era um investidor e que, quando a cobertura vizinha à de Lula foi colocada à venda, sugeriu a ele que comprasse, tendo tratado o negócio com o espólio do antigo proprietário.

 

NOVE MESES

Denunciado em dezembro de 2016 à Justiça Federal por ter recebido vantagens da Odebrecht — entre elas a cobertura comprada em nome de Costamarques — Lula levou cerca de nove meses para apresentar comprovantes de pagamento de aluguel. Os documentos contêm duas datas inexistentes e erros de grafia.

Os problemas nos recibos chamaram a atenção dos investigadores. A apresentação de documento falso à Justiça é prevista no artigo 299 do Código Penal, com pena de até cinco anos de prisão e pagamento de multa. Pela lei, configura crime “inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.