O Estado de São Paulo, n. 45200, 19/07/2017. Economia, p. B3.
Relator do Refis é sócio de empresas que devem R$ 51 mi
Eduardo Rodrigues / Lorenna Rodrigues
19/07/2017
Responsável por alterar novamente o Refis com a inclusão de um perdão de até 99% das multas e dos juros das dívidas com a União, o deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG) deve à União R$ 51 milhões. As planilhas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) obtidas pelo ‘Estadão/Broadcast’ mostram que ele figura como presidente da Companhia Siderúrgica Pitangui, que detém dívida ativa de R$ 48,7 milhões com a União. O restante se trata de uma dívida de R$ 2,3 milhões da NC Participações e Consultoria, da qual o deputado seria diretor.
O órgão de cobrança não informa quanto dessa dívida equivale a multas e juros pelo não pagamento. Por isso, não é possível calcular o tamanho do benefício que o próprio deputado receberia, caso o Refis seja aprovado no Congresso na forma do seu parecer.
Reconduzido ao posto de relator do Refis, após ter alterado completamente a primeira proposta enviada pelo governo ao Congresso, Cardoso Jr. voltou a incluir condições mais vantajosas para as empresas.
O parecer dele, aprovado na semana passada pela comissão mista da Medida Provisória (MP) 783, também estendeu os descontos – que antes valiam apenas para contribuintes com débitos de até R$ 15 milhões – para firmas com dívidas de até R$ 150 milhões.
Para entrar no programa, todos pagam 20% da dívida ainda este ano, exceto essas empresas com dívida de até R$ 150 milhões, que pagarão 2,5%. O saldo restante pode ser liquidado de várias formas. Os que pagarem tudo que falta em janeiro de 2018, ganham 99% de desconto nos juros e multas. Outra opção é fazer parcelamentos a perder de vista, mas nesses casos os abatimentos em multas e juros diminuem um pouco: 90% para o parcelamento em 145 meses e 85% para 175 meses.
Cardoso Jr. também reduziu o valor da entrada, parte da dívida sobre a qual não incide o desconto de juros e multas e que precisa ser pago em cinco parcelas, em espécie. O governo enviou a MP com exigindo que 7,5% da dívida fossem pagos na entrada. O relator diminuiu essa parcela para 2,5%. Com essas modificações, a arrecadação prevista para 2017 com o Refis cai de R$ 13,3 bilhões para R$ 420 milhões.
Causa própria. Para o diretor executivo do instituto Transparência Brasil, Manoel Galdino, a concessão de benesses tributárias para os devedores da União justamente em meio à atual crise fiscal é absurda. “O que estamos vendo são os parlamentares legislando em causa própria. O regimento da Câmara não proíbe, mas um deputado com dívidas ativas com a União relatar a proposta viola a ética e chega a ser indecoroso”, avalia. “E a adoção consecutiva de programas de Refis penaliza os contribuintes que honram suas obrigações em dia.”
Relator. Cardoso Jr. não quis dar entrevista ao Estadão/Broadcast, mas respondeu, por meio de sua assessoria, que todas as dívidas em aberto das empresas ligadas a ele estão sendo questionadas na Justiça. “Não sou devedor. Todos os débitos estão sendo questionados na Justiça. Minha atividade parlamentar não se confunde com a empresarial. Esclareço que fechamos um texto que atende às necessidades da sociedade, acima de qualquer interesse particular ou corporativo”, rebateu.
O deputado alegou que o novo Refis vai permitir a regularização fiscal de milhares de pessoas físicas e jurídicas. “O texto aprovado vai possibilitar a retomada do desenvolvimento do País, que enfrenta uma grave crise econômica, com 15 milhões de desempregados”, acrescentou. “Estamos prestando um grande serviço à Nação.”
CRONOLOGIA
O vaivém do Refis
04 de janeiro
Governo edita MP 766 com o Programa de Regularização Tributária (PRT), sem a possibilidade de desconto de multas e juros. A expectativa é arrecadar R$ 10 bilhões.
03 de março
Comissão Mista da MP 766 aprova relatório de Newton Cardoso Jr. com perdão de multas e juros, além de mudanças em prazos e parcelas. Com mudanças, expectativa de arrecadação cai para R$ 2 bilhões.
31 de maio
Governo deixa caducar MP 766. Após acordo, presidente Michel Temer assina MP 783 que prevê desconto de até 90% dos juros e 50% das multas.
13 de julho
Comissão Mista da MP 783 aprova relatório do mesmo Newton Cardoso Jr., de novo com perdão de até 99% de juros e multas, além de outras benesses. Expectativa de arrecadação cai de R$ 13,3 bilhões para R$ 420 milhões.
Situação atual
Equipe econômica já avisou que irá sugerir a Temer que vete todas as mudanças feitas no Refis, caso texto do relator seja aprovado pelos plenários da Câmara e do Senado.
CONGRESSO EM DÍVIDA
Parlamentares, responsáveis por aprovar os vários Refis, são também devedores da União e podem se beneficiar com as mudanças no programa de parcelamento
(...)
Senadores
Jader Barbalho (PMDB/PA) - Total da Dívida em reais - 5.550.104
Roberto Coelho Rocha (PSB/MA) - Total da Dívida em reais - 230.598
Lindbergh Farias (PT/RJ) - Total da Dívida em reais - 124.786
João Alberto Souza (PMDB/MA) - Total da Dívida em reais – 37.590
Parlamentares corresponsáveis (fiadores) em dívidas de terceiros
Corresponsáveis em dívidas em aberto
11 deputados - Valor em reais (31.818.040)
3 senadores - Valor em reais (62.194.139)
Parlamentares sócios ou administradores de empresas devedoras
Vinculados a firmas com dívidas em aberto
76 deputados - Valor em reais (218.713.185)
17 senadores - Valor em reais (201.203.327)
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Parlamentares não veem conflito de interesse
Renan Truffi / Igor Gadelha
19/07/2017
Deputados e senadores não enxergam conflito de interesse em discutir um novo Refis, com perdão de juros e multas em dívidas da União, mesmo sendo potenciais beneficiados do novo programa de parcelamento.
Sabino Castelo Branco (PTB-AM) afirmou que fez o parcelamento do valor e pediu a retirada desse nome da lista. Carlos Melles (DEM-MG) contou que não sabia da dívida de quase R$ 900 mil, mas não vê conflito. “Sou deputado, mas sou brasileiro, tenho direito de me defender”. Carlos Bezerra (PMDB-MT) também negou qualquer tipo de conflito. “O Refis abrange todo mundo”, afirmou. Wladimir Costa (SD-PA) disse que deve não só à Fazenda Nacional, como também “a Deus e o mundo”, mas que vai pedir parcelamento. Junior Marreca (PENMA) afirmou que não parcelou ainda porque entrou com um pedido de retificação da dívida.
O deputado Bebeto (PSB-BA) explicou que a dívida está sendo paga e vai votar contra a proposta do Refis. Cajar Nardes (PR-RS) disse que o débito é de uma empresa do qual era sócio, mas pediu dissolução da sociedade em 2005. O deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) afirmou que está contestando os valores referentes à pendência. Ezequiel Fonseca (PP-MT) respondeu à reportagem que não tinha ciência do débito, mas que vai pagar .
A deputada Janete Capiberibe (PSB-AP) argumentou que a pendência é de um processo de 1999, que já está quite. Augusto Coutinho (SD-PE) disse que a dívida é referente a uma multa, que está sendo questionada judicialmente. José Fogaça (PMDB-RS) afirmou que votará contrário ao Refis. Arthur Lira (PP-AL) disse que seu débito foi parcelado. Franklin (PP-MG) contou que está regularizando a situação. O deputado Guilherme Mussi (PP-SP) não tinha conhecimento da pendência.
Gilberto Nascimento (PSCSP) disse que estava viajando e não poderia falar. George Hilton (PSB-MG) não quis se manifestar porque o caso está sendo alvo de processo na Justiça. Os demais deputados não foram encontrados.
Senado. O senador Roberto Rocha (PSB-MA) informou que o débito se refere a verba indenizatória do início dos anos 90 que foi incorporada no seu imposto de renda e está sendo questionado na Justiça. Lindbergh Farias (PT-RJ) diz que a dívida refere-se a uma multa eleitoral da campanha de 2014 que também está sendo questionada na Justiça. João Alberto de Souza (PMDB) não respondeu os questionamentos da reportagem. Jader Barbalho (PMDB-PA) não foi encontrado.