O globo, n.30717 , 12/09/2017. PAÍS, p.10

MPF DENUNCIA LULA E MAIS 6 POR CORRUPÇÃO

 RAYANDERSON GUERRA

 

 

Medida Provisória que beneficiou setor automobilístico teria sido recompensada com R$ 6 milhões a petistas

 

O Ministério Público Federal do Distrito Federal (MPF-DF) denunciou o ex-presidente Lula e mais seis pessoas pelos crimes de corrupção ativa e passiva. De acordo com as investigações, as irregularidades foram praticadas no período de elaboração e edição da medida provisória que prorrogou por cinco anos benefícios tributários para empresas do setor automobilístico.

Segundo a investigação, a edição da MP envolveu o pagamento de vantagens indevidas a intermediários do esquema e a agentes políticos. De acordo com a denúncia, R$ 6 milhões dos R$ 33 milhões negociados foram prometidos ao ex-presidente Lula e ao então chefe de gabinete do petista, Gilberto Carvalho. E o dinheiro teria sido destinado para o custeio de campanhas eleitorais do PT.

Essa é a segunda denúncia contra o petista motivada por investigação da Operação Zelotes. Na primeira, ele e o seu filho Luiz Cláudio Lula da Silva se tornaram réus e respondem pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Na denúncia enviada ontem à Justiça Federal, o MPF pede que os envolvidos paguem R$ 12 milhões a título de ressarcimento ao Erário e multa por danos morais coletivos.

Metade do valor acertado foi repassada pela montadora MMC — Mitsubish à empresa M&M. A empresa foi o canal utilizado para viabilizar o recebimento e a distribuição da propina, de acordo com o MPF.

Além de Lula, foram denunciados Gilberto Carvalho, os empresários Carlos Alberto de Oliveira Andrade, do Grupo Caoa, e Paulo Ferraz Arantes, da Mitsubishi, o ex-presidente da montadora MMC — Mitsubish Paulo Arantes Ferraz, o exconselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf ) José Ricardo Silva e o lobista Alexandre Paes dos Santos. Os dois últimos são suspeitos de atuar como intermediários do esquema.

A empresária e sócia do escritório Marcondes e Mautoni Empreendimentos Cristina Mautoni, o ex-ministro da Fazendo Guido Mantega, a exministra da Casa Civil Erenice Guerra, o ex-ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge, o atual ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, e Nelson Machado, que foi secretário executivo do Ministério da Fazenda, eram investigados no mesmo processo, mas não foram denunciados.

Além de garantir a edição e aprovação da MP no Congresso, os recursos também foram usados para comprar o cancelamento de um débito de R$ 265 milhões que era objeto de um recurso no Carf. Esse fato, no entanto, é objeto de outra ação penal em tramitação na 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília.

De acordo com o MPF, a investida do grupo criminoso junto ao governo começou em junho de 2009, quando José Ricardo Silva recebeu do diretor jurídico da M&M duas cartas endereçadas ao então presidente da República com os pedidos de alteração legislativa. Os documentos foram elaborados pelo diretor jurídico da M&M, Ricardo Rett, e chegaram a sugerir que a mudança legislativa fosse efetivada por meio de medida provisória, o que acabou ocorrendo.

Entre as provas mencionadas pelo MPF estão manuscritos, emails e atas de reuniões apreendidas com os envolvidos. Para o MPF, as expressões “kit de material enviado a Gilberto Carvalho e “café Gilberto Carvalho” que constam de documentos apreendidos evidenciam a relação do grupo criminoso com os agentes públicos.

Além disso, os procuradores destacam uma mensagem em que Alexandre Paes dos Santos afirma que “colaboradores” de Mauro Marcondes teriam exigido R$ 10 milhões e que o valor foi reduzido para R$ 6 milhões após “esforço de sensibilização de Mauro”. Para o MPF, trata-se do ex-presidente Lula e de Gilberto Carvalho. A mensagem endereçada aos responsáveis pela empresa SGR Assessoria, de propriedade de José Ricardo, foi elaborada após a empresa Caoa ter desistido de pagar a sua parte no combinado.

Em nota, o Instituto Lula disse que os procuradores do MPF tentam “constranger” o ex-presidente. O texto diz ainda que a denúncia é “improcedente, injurídica e imoral”.

À TV Globo, Gilberto Carvalho disse que a MP estava no programa de governo de Lula para o desenvolvimento do setor nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. “Se houve corrupção, foi no Congresso ou na atuação de lobistas. Enfrento esta situação com muita serenidade. É uma acusação sem provas”, disse Carvalho.

Também constam da ação referências a manuscritos e a registros feitos por José Ricardo da Silva e João Batista Gruginski que, na avaliação do MPF, confirmam a cooptação dos agentes públicos com o objetivo de garantir a edição da medida provisória.

O GLOBO entrou em contato com a defesa de Paulo Arantes Ferraz e Alexandre Paes dos Santos, mas sem retorno até o fechamento desta edição.