O globo, n.30717 , 12/09/2017. ECONOMIA, p.26

BNDES AVALIA DEVOLVER SÓ PARTE DO QUE FOI SOLICITADO PELO TESOURO

 DANIELLE NOGUEIRA

 

 

Para diretor, antecipação de recursos pode comprometer investimentos

Após o Tesouro solicitar o resgate antecipado de R$ 180 bilhões emprestados ao BNDES, o banco avalia devolver só parte dos recursos. Para analistas, a devolução pode ser considerada uma pedalada fiscal. O BNDES já começou a analisar internamente a possibilidade de antecipar o pagamento de R$ 180 bilhões ao Tesouro Nacional. Segundo o diretor financeiro do banco, Carlos Thadeu de Freitas, estão sendo avaliados diferentes cenários. A preocupação do diretor é que a liberação antecipada de recursos comprometa a capacidade de financiamento da instituição, afetando os investimentos, num momento de retomada do crescimento econômico. Ele deixou claro que o banco pode chegar à conclusão de que vai devolver menos do que o pedido pelo governo ou mesmo que não devolverá nada neste momento.

O pedido de resgate antecipado de R$ 180 bilhões chegou oficialmente ao banco na semana passada e foi feito pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, e pela Secretaria de Orçamento Federal, do Ministério do Planejamento. Seriam R$ 50 bilhões em 2017 e R$ 130 bilhões em 2018, que ajudariam o governo a cumprir a meta fiscal nos dois anos. “A partir da avaliação técnica das repercussões financeiras e patrimoniais, os termos, os valores e as datas dos pagamentos serão analisados e definidos pelo Conselho de Administração do BNDES”, disse o banco em nota.

Segundo Freitas serão considerados três fatores: o cenário econômico, quais títulos podem ser devolvidos — uma vez que muitos papéis são usados em operações de hedge (operações para proteger aplicações e investimentos) —e a posição do Tribunal de Contas da União (TCU).

— Como o investimento caiu muito nos últimos anos, a tendência é haver um efeito mola agora, ou seja, a tendência é que os investimentos voltem a crescer, mesmo com a capacidade ociosa. A questão é se o BNDES vai poder financiar esses investimentos, caso antecipe o pagamento ao Tesouro — disse Freitas. — O banco tem boa vontade. Mas não há obrigatoriedade de devolução antecipada. Existe a possibilidade de não devolver ou de devolver menos que o pedido.

 

R$ 128 BI JÁ ANTECIPADOS

O Tesouro emprestou ao BNDES, via títulos públicos, mais de R$ 450 bilhões entre 2010 e 2014 — há apenas uma captação em 1997. O objetivo era manter o investimento após a crise global de 2008. Isso acabou elevando a dívida bruta brasileira. Os contratos preveem a devolução desses recursos até 2060, segundo dados disponíveis no site do banco. O que o Tesouro está pedindo é que parte desse pagamento seja antecipado, visando à redução da dívida, que supera 70% do Produto Interno Bruto (PIB).

Não é a primeira vez que o Tesouro faz isso. Já foram antecipados R$ 128 bilhões nos últimos dois anos. No fim de 2016, quando foram devolvidos R$ 100 bilhões, o país estava em plena recessão, e os desembolsos do BNDES despencavam. Isso acabou fazendo com que sobrassem recursos no caixa do banco. A avaliação do mercado é que hoje o BNDES tenha cerca de R$ 170 bilhões em caixa, mas técnicos do banco ponderam que uma parcela dessa cifra é carimbada ou já comprometida com linhas de financiamento.

Além disso, dizem esses técnicos, hoje, há restrições de algumas das principais fontes de recursos do BNDES, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que é deficitário, e o PIS/ Pasep, cujos recursos foram liberados para saque pelo governo em agosto. Por outro lado, há uma avaliação de que a nova Taxa de Longo Prazo (TLP), que vai substituir a TJLP em 2018, aproximando as taxas dos empréstimos do BNDES às de mercado, vai reduzir a demanda por crédito e que, por isso, o banco poderia abrir mão dos R$ 180 bilhões.

Em nota, o presidente da Associação dos Funcionários do BNDES, Thiago Mitidier, disse que “a intenção da Fazenda e do Banco Central de desidratar o BNDES é tornar os investimentos de longo prazo no país dependentes do mercado de capitais internacional”.