Déficit 'recorrente' é de 3,2% do PIB

Sergio Lamucci

21/08/2017

 

 

O desempenho das contas públicas excluindo receitas e despesas atípicas mostra um quadro ainda mais negativo do que o resultado primário oficial. Nos 12 meses até junho, o chamado déficit primário recorrente ficou em 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB), acima dos 2,6% do PIB do número oficial para o setor público consolidado. Em janeiro, o rombo estava em 3% do PIB. O resultado primário não inclui os gastos com juros. Os cálculos são da Instituição Fiscal Independente (IFI), desconsiderando receitas extraordinárias, como os provenientes de concessões ao setor privado, de programas de renegociação de dívidas de empresas (os diversos Refis) e da regularização de recursos no exterior (conhecida como repatriação). Despesas não recorrentes também são tiradas da conta, caso da quitação das chamadas pedaladas fiscais (os atrasos nos pagamentos aos bancos públicos, que se agigantaram no primeiro governo da ex-presidente Dilma Rousseff) e da ajuda federal ao Estado do Rio de Janeiro, por exemplo. "Os números mostram um nível de primário pior do que o nível do resultado oficial", diz Felipe Salto, diretor-executivo da IFI, instituição do Senado voltada ao acompanhamento da situação fiscal e orçamentária do país. Num ambiente recessivo, que derruba a arrecadação de impostos, o governo tem se fiado num volume elevado de receitas extraordinárias para tentar cumprir a meta fiscal. Nas conta da IFI, há uma projeção de mais de R$ 70 bilhões de fontes atípicas para este ano, diz Salto, citando aí os recursos que podem ser obtidos com concessões, o programa de repatriação e saques de precatórios de pequeno valor com mais de dois anos, entre outros fatores, como os diversos Refis.

Até junho, porém, entraram no caixa do Tesouro apenas R$ 9,7 bilhões dessas receitas, segundo a IFI. Há um risco de que uma parte considerável delas não se materialize. Na semana passada, o governo mudou as metas fiscais para 2017 a 2020, elevando os déficits previstos num cenário marcado pela frustração de receitas. O economista-chefe do Rabobank, Mauricio Oreng, destaca a dependência elevada de receitas extraordinárias do governo para o resultado primário, lembrando que elas tendem a se esgotar em algum momento. "A situação fiscal do Brasil é muito preocupante", diz Oreng, observando que o país está muito longe do nível de resultado primário suficiente para estabilizar a relação entre a dívida e o PIB, que hoje cresce de modo explosivo. Para ele, esse superávit hoje é de, pelo menos, 2% do PIB. Com um déficit primário recorrente de 3,2% do PIB, é possível ver a distância que o Brasil está de obter um resultado sustentável para as contas públicas. De 2002 a 2008, o resultado primário dependia em quase nada de receitas extraordinárias. Na maior parte desse período, especialmente a partir de 2004, a economia cresceu a um ritmo mais expressivo. A formalização no mercado de trabalho e o boom de commodities contribuíram para uma alta forte das receitas. A partir de 2009, e especialmente entre 2010 e 2014, a dependência de receitas atípicas foi elevada. Houve uma mudança em 2015, mas elas voltaram a aumentar um pouco a partir do ano passado. Do resultado primário nos 12 meses até junho, há uma contribuição expressiva do programa de repatriação, que impactou o caixa do Tesouro no ano passado, e dos Refis.

Assim como Oreng, o diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, vê um quadro fiscal complicado para o Brasil nos próximos anos. As novas metas para os déficits primários de 2017 a 2021, anunciadas pelo governo na semana passada, atestaram as dificuldades para o país avançar no ajuste fiscal, segundo ele. Em nota, Ramos ressalta que a virada dos grandes déficits primários para superávits não será atingida antes de 2021, na melhor das hipóteses. Além disso, os saldos necessários para reverter a tendência de alta da dívida bruta só devem ser alcançados em 2024, ou depois disso, afirma Ramos. Para colocar o endividamento bruto em trajetória clara de queda, ele estima que o superávit primário precisa ser de 3% a 3,5% do PIB. É um nível muito distante do déficit primário de 2,6% do PIB acumulado nos 12 meses até junho, e ainda mais longínquo se for considerado o rombo recorrente, de 3,2% do PIB. A dívida bruta está em 73,1% do PIB.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4321, 21/08/2017. Brasil, p. A3.