Governo dá uma guinada e decide privatizar Eletrobrás

Rodrigo Polito, Daniel Rittner, Rafael Rosas e Camila Maia

22/08/2017

 

 

O governo mudou radicalmente seus planos com relação à Eletrobras e decidiu privatizar a maior companhia de energia elétrica da América Latina. O ministério de Minas e Energia (MME) vai propor ao conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) a redução da participação da União na estatal, "com sua consequente democratização" na bolsa de valores, seguindo o exemplo do que foi feito no passado com a Embraer e a Vale. A ideia, de acordo com o ministério, é recuperar a Eletrobras e permitir à empresa implementar os requisitos de governança corporativa exigidos no Novo Mercado. O Valor apurou, contudo, que a proposta foi costurada pela pasta junto com o ministério da Fazenda e foi lançada após o agravamento da previsão de déficit fiscal do governo, para R$ 159 milhões em 2017 e 2018. Segundo uma fonte com conhecimento do assunto, a ideia é realizar uma operação de aumento de capital, no qual seria diluído o controle da União na empresa, que passaria a ser de controle pulverizado. Os recursos da operação seriam utilizados pela Eletrobras para adquirir novamente as usinas que operam sob o regime de cotas, desde a Medida Provisória 579. A ideia é que o valor do aumento de capital seja na proporção do montante necessário para realizar o pagamento por estas usinas, podendo alcançar a cifra de R$ 20 bilhões. Por essa fórmula, o dinheiro gerado pelo aumento de capital entra na Eletrobras, mas é repassado ao Tesouro, provocando um efeito positivo nas contas públicas. O pesquisador do Insper, Sérgio Lazzarini, não vê razões estratégicas ou impedimentos éticos que inviabilizassem a intenção de privatizar a Eletrobras. Para ele, vender a estatal para a gestão privada seria uma alternativa ao modelo de negócios atual, em que a empresa assumiu "muitos projetos pouco lucrativos de forma pouco transparente", analisa.

Em nota, o MME informou: "A decisão foi adotada após profundo diagnóstico sobre o processo em curso de recuperação da empresa. Apesar de todo o esforço que vem sendo desenvolvido pela atual gestão, as dívidas e ônus do passado se avolumaram e exigem uma mudança de rota para não comprometer o futuro da empresa". Segundo o ministério, os problemas da Eletrobras decorrem de "ineficiências acumuladas nos últimos 15 anos, que impactaram a sociedade em cerca de um quarto de trilhão de reais [R$ 250 bilhões]". "Não há espaço para elevação de tarifas nem para aumento de encargos setoriais. Não é mais possível transferir os problemas para a população. A saída está em buscar recursos no mercado de capitais atraindo novos investidores e novos sócios", completou. A proposta prevê que a União permaneça como acionista e mantenha poder de veto na administração da companhia, para garantir a preservação de decisões estratégicas, como projetos de revitalização do rio São Francisco. A ideia do governo é adotar modelo semelhante ao aplicado em países como Portugal, França e Itália, que transformaram suas estatais elétricas (EDP, EDF e Enel, respectivamente) em grandes corporações com atuação internacional e que mantêm sua identidade nacional. Em fato relevante, a Eletrobras informou que a efetivação da operação depende de autorizações governamentais, avaliação das autorizações legais e regulatórias que serão necessárias, avaliação do modelo a ser adotado e observância dos procedimentos específicos, por ser tratar de sociedade de economia mista, de capital aberto, com ações listadas na B3, em Nova York (Nyse) e em Madri (Latibex).

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, afirmou que a venda do controle acionário da Eletrobras não requer o envio de um projeto de lei ao Congresso e pode ser feita em sem trâmite legislativo. "Não precisa disso. É como a privatização da Embraer". Ele não quis fazer projeções sobre o valor que poderá ser arrecadado e nem quando a operação ocorrerá. Ele enfatizou que a preparação do negócio requeria cuidado e discrição por tratar-se de empresa com papéis negociados na B3 e na Bolsa de Nova York. O plano deve ser "operacionalizado" em 2018, disse o secretário executivo do MME, Paulo Pedrosa. "Para esse ano, não há condição. Isso é para o ano que vem", afirmou. "A estratégia envolve atender uma demanda de curto prazo para ajudar a fechar a contas, mas não pode ser vista como uma intervenção para cumprir um objetivo puramente fiscal", disse Pedrosa. O presidente da Amec, Mauro da Cunha, declarou que a proposta do MME "é uma notícia para se comemorar e mais uma sinalização de que o mercado de capitais é o caminho para as empresas". O Valor apurou que o plano de privatização da Eletrobras começou a ser discutido nas últimas duas semanas. O assunto foi conduzido por equipes restritas dos ministérios da Fazenda e de Minas e Energia. Ferreira Jr., presidente da estatal, e o diretor financeiro e de Relações com Investidores, Armando Casado, passaram o dia ontem em Brasília. À tarde, Casado participou de reunião com investidores em São Paulo, mas o encontro terminou antes da divulgação do fato relevante do plano. 

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4324, 22/08/2017. Empresas, p. B1.