O globo, n.30716 , 11/09/2017. PAÍS, p.5

Livre, Miller diz que áudio é ‘fantasioso’

CAROLINA BRIGIDO

 

 
 
Ex-procurador teve prisão negada por Fachin, que não viu indícios de cooptação por organização criminosa

 Livre do pedido de prisão temporária, o ex-procurador da República Marcello Miller, suspeito de ajudar executivos da J&F na elaboração do acordo de delação premiada, afirmou ontem que é “fantasioso e ofensivo” o conteúdo das menções ao seu nome nas gravações feitas pelos delatores.

Na sexta-feira, Miller foi alvo de um pedido de prisão feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após a divulgação do áudio de uma conversa entre o empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud, da J&F, na qual eles indicam ter recebido orientação de Miller.

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido de prisão do ex-procurador, com o argumento de que não havia indícios mínimos de que Miller foi mesmo cooptado por organização criminosa, como sustentou Janot.

O ex-procurador negou que tenha feito jogo duplo ou agido contra a lei. “Não tinha contato algum com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nem atuação na Operação Lava-Jato desde, pelo menos, outubro de 2016”, disse em nota.

Miller também declarou que, quando era procurador, “nunca atuou em investigações ou processos relativos ao Grupo J&F, nem buscou dados ou informações nos bancos de dados do Ministério Público Federal sobre essas pessoas e empresas”.

Ele ainda negou que tivesse obstruído qualquer tipo de investigação ou tentado influenciar integrantes do Ministério Público Federal.

 

JANOT VÊ INDÍCIOS DE PRÁTICA DE TRÊS CRIMES

Ao pedir a prisão de Miller, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que, em tese, o ex-colega teria cometido três crimes: participação em organização criminosa, obstrução às investigações e exploração de prestígio. Ele também disse que “há indícios de má-fé por parte dos colaboradores ao deixarem de narrar, no momento da celebração do acordo, que estavam sendo orientados por Marcello Miller, que ainda estava no exercício do cargo, a respeito de como proceder quando das negociações, inclusive no que diz respeito a auxílio prestado para manipular fatos e provas, filtrar informações e ajustar depoimentos”.

Ao negar o pedido da PGR para prender Miller, Fachin ponderou que são “consistentes os indícios de que pode ter praticado o delito de exploração de prestígio e até mesmo de obstrução às investigações”. No entanto, o ministro argumentou que a lei não prevê a decretação de prisão temporária para esses dois crimes.

Com relação à acusação de participação em organização criminosa, Fachin explicou que, pelo Código Penal, esse delito, para ser configurado, exige estabilidade e permanência — “elementos que, por ora, diante do que trouxe a este pedido o MPF, não se mostram presentes, para o fim de qualificar o auxílio prestado pelo então procurador da República Marcello Miller aos colaboradores como pertinência a organização criminosa”, afirmou o ministro.

Na nota, o ex-procurador afirma que “continua à disposição, como sempre esteve, para prestar qualquer esclarecimento necessário”.