Correio braziliense, n. 19745, 18/06/2017. Brasil, p. 6

 

Desafios para uma educação de ponta 

Luana Melody Brasil

1806/2017

 

 

ENSINO » Especialistas, alunos e professores avaliam que modernizar os colégios, com a adoção de tecnologia na sala de aula, é o primeiro passo para estimular o aprendizado. Em Planaltina, comunidade conseguiu digitalizar uma escola pública por meio de parcerias

Localizada a 43km da região central de Brasília, uma escola pública coleciona tecnologias que ainda não alcançam o horizonte de boa parte das redes de ensino do país. Quem passa por fora do Centro de Ensino Fundamental Arapoanga, em Planaltina, encontra um retrato típico de outras instituições mantidas por recursos públicos: muro alto de concreto, com buracos deixando à mostra os tijolos e algumas pichações. Ao atravessar o portão, o que se encontra é outra realidade. Lá, alunos passam o cartão estudantil em um totem eletrônico que automaticamente avisa no celular dos pais a hora em que ocorreu a entrada na escola.

“É um controle que fazem para minha própria segurança”, esclarece César Nunes, 14 anos, aluno do 9º ano da Arapoanga, como é conhecida a escola. Pouco tempo depois, César se encaminhou com outros alunos para a “Sala Especial”. É lá onde estavam aprendendo sobre o sistema solar em uma lousa digital, que funciona como um tablet projetado na parede.

A modernização da escola começou em 2004, depois que os professores perceberam uma alta taxa de evasão de alunos. De 2010 a 2016, esse índice caiu de 2,8% para 0,9%. “Chegou a um ponto em que o aluno era mais tecnológico que o professor, era outra linguagem. A gente tinha que emparelhar com eles para atraí-los para a escola”, relata o professor de ciências biológicas, químicas e físicas John Mcartson. De lá pra cá, foi um processo gradativo. Primeiro trocaram as sirenes por caixas de som, que sinalizam os intervalos o momento da saída com músicas de uma playlist sugerida pelos alunos.

Depois, conseguiram instalar o totem eletrônico na entrada da escola, desenvolveram um aplicativo onde os pais acompanham as atividades dos alunos, boletim, data de eventos e ementa das aulas, e tiveram como uma das mais recentes aquisições a lousa digital. “Quando o recurso é novo, assusta. Mas hoje tem disputa entre os professores para usarem a lousa. Nós mesmos nos ajudamos, os professores que têm mais facilidade ajudam os que têm menos”, destaca Mcartson.

Os materiais, no entanto, não foram adquiridos por meio de políticas públicas. Segundo relembra o diretor da escola, Jordenes da Silva, foi feita uma força-tarefa da equipe de educadores para digitalizar a escola, com parceiros como ONGs, empresas, e a embaixada do Japão e até mesmo a Nasa.

Silva conta que, desde 2010, já foram feitas 12 aulas de 50 minutos por videoconferência com o carioca Daniel Nunes, que mora na Califórnia e participa do programa de sondas da agência espacial dos Estados Unidos. “Ele foi procurado para ajudar na preparação dos alunos para a Olimpíada Brasileira de Astronomia. No ano passado, ele fez uma surpresa: veio pessoalmente dar a aula aqui, os alunos ficaram muito encantados”, lembra.

“O governo deveria ser mais ativo para viabilizar a modernização das escolas. Nossa escola busca parcerias externas, mas isso não tira a responsabilidade do governo”, observa o professor Mcartson. “Não tem nada de extraordinário no que fazemos. O que tem aqui deveria ser institucional, ter em todas as escolas brasileiras, e não só na Arapoanga”, completa Silva.

Outra realidade

Diferentemente da Arapoanga, as escolas de ensino fundamental e médio da rede pública brasileira são predominantemente analógicas. No caso da escola de Planaltina, os 500 alunos contam com as tecnologias apenas do 1º ao 9º ano. Quando eles precisam mudar de escola para cursar o ensino médio, se deparam com a realidade precária do uso de eletrônicos nas escolas públicas brasileiras. “Quando a gente tem contato com vídeo e imagem, a gente compreende melhor o conteúdo. Não tinha isso na outra escola em que estudei. Vai ser uma falta grande quando eu sair daqui, porque sei que outras escolas não fornecem o que tem aqui”, lamenta Jennifer Ventura, 14 anos, aluna do 9º ano da Arapoanga.

A falta prevista por Jennifer é sentida por Anderson Felippe Silva, 16 anos, ex-aluno da Arapoanga que agora estuda no 2º ano do Centro de Ensino Médio 2 de Planaltina, a 15 minutos de distância da antiga escola. “Eu tinha aulas interativas, dinâmicas e eu podia usar a lousa digital. Se estivesse aqui, ajudaria nas aulas de química, física e biologia, facilitando a compreensão do conteúdo para o PAS”, avalia Anderson, que faz referência ao Programa de Avaliação Seriada da Universidade de Brasília (UnB).

Na atual escola de Anderson, há acesso limitado à rede Wi-Fi e laboratório de computadores com máquinas ultrapassadas. Dos 45 terminais, nove estavam com avisos de defeito. Os computadores foram adquiridos por doações de órgãos públicos e pelo Ministério da Educação (MEC) a partir do programa ProInfo, que oferece equipamentos de laboratórios de informática. No entanto, as últimas aquisições feitas no país por esse programa datam de 2013, de acordo com a assessoria da pasta. Hoje no primeiro ano do ensino médio do CEM 2, Pâmela Cristina de Sousa, de 15 anos e ex-aluna da Arapoanga, lembra que usava um aplicativo criado na antiga escola para acompanhar suas notas e informar os pais sobre o calendário de reuniões. “Ajudava a ter um controle dos meus estudos”, nota a Pâmela.

Para Gilberto Lacerda, especialista em informática na educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), não basta ter tecnologia nas escolas, como laboratórios e acesso à internet, mas sim aplicação didática feita pelos educadores. “Tecnologia didaticamente utilizada é ter recursos digitais no trabalho do professor, na preparação de materiais de ensino, livros digitais, softwares, jogos, dispositivos de pesquisa, repositórios, bibliotecas virtuais, uma infinidade de possibilidades digitais”, avalia.