O globo, n.30725 , 20/09/2017. PAÍS, p.3

NA POSSE, RAQUEL DODGE FALA SETE VEZES EM CORRUPÇÃO SEM CITAR LAVA-JATO

VINICIUS SASSINE

 
 
 
Nova procuradora-geral diz que papel do MPF vai além da questão criminal
 

“O Ministério Público deve promover justiça, defender a democracia, assegurar voz a quem não a tem e garantir que ninguém esteja acima da lei e que ninguém esteja abaixo da lei”

Raquel Dodge

Procuradora-geral da República

 

 

 

VINICIUS SASSINE

-BRASÍLIA- Em seu discurso na cerimônia de posse como nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge falou sete vezes a palavra corrupção, sem mencionar uma vez sequer a Operação Lava-Jato. Raquel fez questão de ressaltar a atuação múltipla do Ministério Público Federal (MPF), que vai além do combate à corrupção, mas ressaltou que o povo brasileiro “não tolera a corrupção” e recorreu à citação do papa Francisco de que a corrupção é “não um ato, mas estado pessoal e social no qual a pessoa se acostuma a viver”.

— O país passa por um momento de depuração. Os órgãos do sistema de administração de justiça têm no respeito e na harmonia entre as instituições a pedra angular que equilibra a relação necessária para se fazer justiça em cada caso concreto — disse Raquel Dodge após ser empossada.

O presidente Michel Temer e outros alvos da Lava-Jato ouviram a procuradora-geral fazer uma citação ao papa Francisco, numa passagem sobre corrupção.

— O papa Francisco nos ensina que a corrupção não é um ato, mas uma condição, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se habitua a viver. O corrupto está tão fechado e satisfeito em alimentar a sua autossuficiência que não se deixa questionar por nada nem por ninguém. Construiu uma autoestima que se baseia em atitudes fraudulentas. Passa a vida buscando os atalhos do oportunismo, ao preço de sua própria dignidade e da dignidade dos outros. A corrupção faz perder o pudor que protege a verdade, a bondade e a beleza — disse Raquel

 

ALÉM DO COMBATE À CORRUPÇÃO

Ela deixou claro que a atuação do Ministério Público vai além do combate à corrupção. A Operação Lava-Jato foi o carro-chefe da gestão de seu antecessor, Rodrigo Janot.

— O Ministério Público deve promover justiça, defender a democracia, zelar pelo bem comum e pelo meio ambiente, assegurar voz a quem não a tem e garantir que ninguém esteja acima da lei e que ninguém esteja abaixo da lei — afirmou a procuradora-geral.

Raquel e Janot são integrantes de alas opostas dentro da PGR. Ela cumprimentou seu antecessor “por seu serviço à nação”, na única frase dirigida explicitamente à Janot, que não compareceu à cerimônia de posse.

 

HARMONIA ENTRE PODERES

Em seu discurso, Raquel defendeu que “o devido processo legal é um direito” e que a harmonia entre os poderes “é um requisito para a estabilidade da nação”. Ela destacou que, dentre os 41 homens que a antecederam no cargo, muitos assumiram a função “sob intensa tempestade”. Ela é a primeira mulher a assumir o cargo de procuradora-geral.

— A nenhum faltou a certeza de que o Brasil seguirá em frente porque o povo mantém a esperança em um país melhor, interessa-se pelo destino da nação, acompanha investigações e julgamentos, não tolera a corrupção e não só espera, mas também cobra resultados.

Segundo a procuradora-geral, o papel “clássico” do Ministério Público é “processar criminosos”, mas outras atribuições constitucionais se somaram a essa:

— É preciso desempenhar bem todas essas funções, porque todas ainda são realmente necessárias. Para muitos brasileiros a situação continua difícil, pois estão expostos à violência e à insegurança pública, recebem serviços públicos precários, pagam impostos elevados, encontram obstáculos no acesso à Justiça, sofrem os efeitos da corrupção, têm dificuldade de se auto-organizar, mas ainda almejam um futuro de prosperidade e paz social — afirmou Raquel, que acrescentou: — O Ministério Público tem a obrigação de exercer com igual ênfase a função criminal e a defesa dos direitos humanos.