Pesquisa mostra interesse dos jovens no debate sobre o ensino

Ligia Guimarães

25/08/2017

 

 

Os alunos querem ser ouvidos pelo governo e opinar a respeito das mudanças previstas na reforma do ensino médio, apresentada no ano passado por medida provisória e aprovada no Congresso em fevereiro deste ano, revela pesquisa que será divulgada hoje. Embora 91% dos estudantes já tenham ouvido falar da reforma, que mudará a distribuição das disciplinas e flexibilizará o conteúdo das aulas, apenas 41% se dizem favoráveis a ela. Os alunos contrários (25%) e indiferentes à reforma (34%) somam 59%. A maioria, 61%, afirma ter interesse em participar em discussões sobre o ensino médio e transmitir suas opiniões ao governo. Os dados são de levantamento realizado pela consultoria Ideia Big Data, especializada no uso de tecnologia em pesquisas de opinião pública, em parceria com movimento Mapa Educação, criado em 2013 por um grupo de estudantes brasileiros de Harvard para dar mais voz aos jovens no debate sobre educação. O estudo será divulgado durante conferência do Mapa Educação, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). A pesquisa ouviu, entre junho e julho, 1.400 jovens cursando o ensino médio em todo o país. A maioria entre 16 e 25 anos de idade, alunos de escolas públicas, das classes B e C, com renda familiar entre R$ 3 mil e R$ 10 mil. Dentre os entrevistados, 53% são do Sudeste e 23% do Nordeste. "É um retrato mais urbano dos secundaristas nas grandes cidades", explica Maurício Moura, diretor da Ideia Big Data, que realizou pro bono o trabalho para o Mapa. As entrevistas foram feitas por telefone pela consultoria. As perguntas foram elaboradas pelos coordenadores do Mapa e buscavam, principalmente, saber o que os estudantes acham do ensino médio e das mudanças anunciadas pelo governo. Cerca de 50% da amostra diz gostar da estrutura atual do ensino médio. Desses, 40% acreditam que poderia ser mais flexível apenas.

O maior problema do ensino médio, citado por 9% dos entrevistados, refere-se ao conteúdo ensinado, que pode ser exagerado, desnecessário ou insuficiente; seguido de falta de infraestrutura ou recursos (8%) e problemas na estrutura e/ou organização, citados por 7%. Também aparecem na lista problemas como ensino fraco, falta de interesse dos professores ou professores desqualificados. "Conteúdo não é uma questão trivial de se resolver. Não é só uma decisão de gestor, é preciso perguntar para o jovem", afirma Gabriel Dolabella, graduando em direito da FGV Rio e diretor de parcerias do Mapa Educação. Segundo ele, sem ouvir a opinião de quem realmente conhece o dia-a-dia e os problemas da escola, será difícil implementar a reforma. Beatriz Velloso Marinho, 20 anos, diretora de parcerias do Mapa e aluna do primeiro ano de economia em Harvard, diz que a iniciativa da pesquisa surgiu para que a ONG pudesse representar mais jovens do que seus fundadores e colaboradores, cuja maioria é formada por estudantes de universidades da Ivy League dos Estados Unidos, de excelente reputação. "Começamos a pensar em formas de pensar abrangência nacional", afirma Beatriz. Dos estudantes entrevistados, 46% se declararam favoráveis, ou muito favoráveis, às ocupações escolares que ocorreram no ano passado, no contexto da reforma do ensino médio. Questionados sobre se já pensaram em deixar a escola, a minoria, 31%, disse que sim. Entre esses, o principal motivo para cogitar o abandono, citado por 41%, é o fato de que precisavam trabalhar. Provavelmente pela necessidade de conciliar trabalho e estudos, 37% dos ouvidos consideram negativo ou muito negativo o aumento da carga horária para tempo integral, de 7 horas ou mais de aula por dia, uma das medidas previstas na reforma.

Um ponto revelado na pesquisa que parece alinhar-se às intenções da reforma é o amplo interesse dos estudantes em cursos técnicos e profissionalizantes. Questionados sobre a quais especialidades e disciplinas dedicariam mais tempo no ensino médio se pudessem escolher, 46% escolheriam o curso técnico e profissional. "A escolhas das disciplinas onde gastariam mais tempo aparentemente reflete a crença de que aquela disciplina fortificará a sua carreira profissional", afirma o relatório. As disciplinas matemática, português e inglês, caso fossem as únicas obrigatórias no ensino médio, seriam mais bem aceitas do que artes, educação física, sociologia e filosofia. A intenção do Mapa Educação é levar a pesquisa e suas principais conclusões ao Ministério da Educação. "Temos com o MEC a interlocução típica de uma ONG, conseguimos uma reunião às vezes", diz Gustavo Empinotti, diretor do Mapa. Para ele, a reforma pecou ao não ouvir a opinião dos estudantes sobre o que deveria mudar na rotina da escola. "O jovem é o principal beneficiário da educação. Ele precisa ter mais voz nas políticas", afirma Empinotti. Cita como exemplo mais eficaz a definição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define a linhas gerais do que os alunos das 190 mil escolas do país devem aprender a cada ano, e que foi amplamente discutida. Procurado pela reportagem, o MEC afirmou que não comentaria a pesquisa por desconhece-la, mas reiterou que o processo da reforma do ensino médio é antigo e está amadurecido. "Começou com as discussões das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (1998), há quase 20 anos. Além disso, foi discutida no Congresso Nacional durante quase cinco anos", diz. Em nota, a assessoria de imprensa da pasta também afirmou que a atual gestão do MEC promoveu debates com alunos e especialistas na discussão da medida provisória, mas não especificou quando eles ocorreram. O MEC afirmou também que a reforma depende da BNCC, que será entregue ao Conselho Nacional de Educação que promoverá discussões e debates sobre o tema.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4327, 25/08/2017. Brasil, p. A2.