O globo, n.30724 , 19/09/2017. SOCIEDADE, p.27

PROPOSTA QUE PROÍBE TODO TIPO DE ABORTO SERÁ VOTADA AMANHÃ

EDUARDO BRESCIANI

19/09/2017

 

 

Tema foi incluído em texto que trata de extensão de licença para mães de prematuros

Uma comissão especial da Câmara dos Deputados dominada pela bancada evangélica votará amanhã uma proposta para alterar a Constituição e passar a proibir todo tipo de aborto, inclusive os autorizados hoje pela legislação e decisões judiciais. O tema foi incluído em um projeto que tratava apenas de estender o prazo de licençamaternidade no caso de bebês prematuros que ficam internados. Após a votação na comissão, o tema seguirá ao plenário.

Dos 33 deputados da comissão especial, 22 fazem parte da frente parlamentar evangélica. A intenção desse grupo é alterar o artigo da Constituição que trata do direito à vida para incluir a expressão “desde a concepção”. A interpretação é que, com isso, estariam vedadas todas as hipóteses de aborto, mesmo quando a gestação é resultado de um estupro, em casos de risco de vida da mulher ou o feto seja diagnosticado com anencefalia.

Responsável pelo relatório que incluiu o tema no projeto, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) defende ser necessário enfrentar o debate e diz não ser possível esperar a tramitação de proposta semelhante do exdeputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) há cinco anos.

— Eu defendo a vida. E, na minha concepção, a partir do momento da fecundação já gera a vida. O relatório vai ser apreciado pela comissão e se a comissão entender que é bom ter essa definição, vamos aprovar e seguir para o plenário. Temos que acabar com essa polêmica de uma vez — afirmou Mudalen ao GLOBO.

A votação do projeto só não aconteceu de forma relâmpago, na semana passada, porque o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) fez um pedido de vistas na reunião da comissão, que durou apenas cinco minutos.

— Eu sou autor do projeto de lei que legaliza a prática do aborto e reconhece os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Luto para que esse debate seja travado no Congresso, mas isso deve ser feito honestamente, com ampla participação da sociedade civil e dos especialistas, e de forma aberta, transparente e democrática. É inadmissível que a questão do aborto seja introduzida de forma desonesta em uma PEC que tem outra finalidade e que nada tinha a ver com esse debate — afirma Jean Wyllys.

 

“DISCUSSÃO TEOLÓGICA”

Autor da proposta original, que trata da questão das mães de bebês prematuros, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) defende que a proposta da bancada evangélica seja retirada do projeto e tratada de forma separada.

— Por entender a importância de dar celeridade à medida proposta inicialmente, e por avaliar que o assunto proposto na emenda requer um debate em separado e de natureza mais ampla nos campos da saúde, da ética e médico, defendo a aprovação da PEC nos termos iniciais. Caso seja alterada na Câmara, ela voltará ao Senado e defenderei sua aprovação na sua versão original, sem a emenda — afirmou Aécio, por meio de sua assessoria.

Para a socióloga e colaboradora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Ana Liési Thurler, a discussão sobre o início da vida é teológica, e, portanto, a percepção de grupos religiosos específicos acerca da questão não pode ser imposta a toda população de um Estado laico. Ela acredita que a inclusão da expressão “desde a concepção” na PEC como forma de proibir a interrupção da gravidez é uma manobra antiética grave.

— A garantia do aborto em situações limite foi resultado de uma luta de décadas pelo respeito à dignidade, à saúde e à vida das mulheres. Embutir a questão do aborto de forma sorrateira em um projeto que alardeia tratar da licença-maternidade de prematuros é um ato de má fé, uma traição. Não se abre discussão ética e clara sobre o assunto, e esse tipo de manobra é a maneira que os sexistas encontram para dar continuidade às suas repressões — acredita.

A pesquisadora destaca, ainda, a diferença de tratamento legal oferecido a homens e mulheres: enquanto eles têm o direito de ignorar a paternidade, as mulheres não podem escolher entre a manutenção e a interrupção da gravidez, salvo em situações limites e com muitas dificuldades, já que a oferta do serviço público de aborto legal é baixa.

— Não somos a favor do aborto, mas sim da autonomia da mulher para que não seja obrigada nem a levar adiante nem a interromper uma gravidez — destaca.