Metas de inflação, acertos e desacertos

Carlos Luque, Simão Silber e Roberto Zagha

25/08/2017

 

 

Pouco mais de um ano e um novo governo deverá encontrar formas de estimular a economia, reduzir o desemprego e estabilizar a dívida pública. Nisto, poderá se beneficiar de experiências passadas. O Brasil foi um laboratório de políticas econômicas ricas em acertos e desacertos. As altas taxas de crescimento dos anos do "milagre" demonstraram a importância de uma taxa de câmbio competitiva, investimento em infraestrutura, tolerância de uma inflação moderada e industrialização orientada às exportações. A "segunda fase de substituição de importações" nos anos 1970 fechou a economia ao comércio exterior acelerando o crescimento no curto prazo, mas causando crescimento baixo e vulnerabilidade externa no longo. O Plano Real e a Tríade demonstraram os benefícios de políticas econômicas consistentes.

A partir de 2003 ficou claro que na falta de uma estratégia de crescimento, a economia permaneceria à deriva. O programa Bolsa Família trouxe melhorias a milhões de brasileiros a custos negligenciáveis. E os últimos meses deixaram claro que problemas fiscais não podem ser resolvidos na ausência de uma estratégia de crescimento econômico. Estes são alguns exemplos entre muitos.

O regime de metas de inflação gerou excelentes resultados quando foi implementado no final dos anos 90. Uma economia se beneficia de regras claras e o regime de metas de inflação foi adotado por muitos países devido a sua transparência, clareza e simplicidade: o banco central aumenta a taxa de juros quando a inflação esta acima da meta e a baixa no caso contrario.

Com todas suas vantagens, uma política monetária em piloto automático é perigosa se não tiver a flexibilidade necessária frente a turbulências na economia. Por mais claras que sejam, regras não devem ser seguidas cegamente e não substituem a análise e ajustamentos essenciais na condução da economia. O Plano Real, por exemplo, face às turbulências externas e valorização do real abandonou a taxa de câmbio fixa e introduziu a tríade, criando estabilidade e crescimento.

Mas no Brasil de 2015 e 2016, a reação ao aumento da taxa de inflação foi rígida. A inflação disparou devido a reajustes de preços administrados e à desvalorização cambial. É bem sabido que inflação gerada por um choque de custos não deve ser combatida com juros altos para contrair a demanda. Isto causa uma redução do PIB e do emprego, como foi o caso.

Nos Estados Unidos e Europa, os bons resultados do regime de metas de inflação nos anos 1990 e começo dos 2000 fizeram com que se negligenciassem problemas sérios no mercado hipotecário nos EUA e empréstimos de bancos privados a governos na Europa. Este descuido produziu a maior crise econômica dos últimos 80 anos. Uma resposta fiscal expansionista forte teria sido necessária. Como foi o caso no Brasil, foi impossível nos Estados Unidos e na Europa obter o consenso político para uma resposta apropriada. O cientista político Eduardo Graeff concluiu que quanto mais fracas as coalizões políticas do governo, mais difícil será tentar algo diferente das expectativas do mercado financeiro e mais conservadoras serão estas expectativas. A ilusão de uma contração fiscal expansionista também orientou as políticas econômicas dos países desenvolvidos.

(...)

Face a austeridade fiscal, para evitar uma crise ainda mais severa, os bancos centrais reduziram a taxa de juros a zero. Os efeitos sobre a expansão do crédito, investimento e consumo foram imperceptíveis. O Fed, e os outros bancos centrais passaram então a comprar títulos públicos e privados que levaram a uma explosão de M2. Economistas ligados ao mercado financeiro previram o aumento da inflação e até a hiperinflação.

Na realidade, nestes últimos anos, com taxas de juros zero e a expansão monetária mais rápida dos últimos 80 anos, os bancos centrais americano e europeu não conseguiram com que a inflação atingisse a meta de 2%. O banco central do Japão teve uma experiência similar com taxas de juros zero e inflação abaixo da meta de 2%. Tendo evitado a deflação, os bancos centrais dos EUA, Europa e Japão se encontraram então com o dilema de como estimular a economia quando a taxa de juros já está em zero e a meta de 2% não é atingida.

As conclusões, de influentes economistas, incluindo ex-economistas chefes do FMI (Blanchard, Rogoff) são:

O Brasil também se beneficiaria de um regime de metas de inflação mais flexível, capaz de responder à circunstância excepcional de queda vertiginosa do PIB nos dois últimos anos e desemprego de 13,5 milhões de brasileiros. A vantagem de metas de inflação mais flexíveis não é evitar o risco de juros zero e deflação, riscos improváveis no Brasil. O desafio é diferente: a indústria e a infraestrutura depreciadas por várias décadas de baixos investimentos serão beneficiados por juros menores, crescimento maior, câmbio mais competitivo e aumento das exportações, em um ambiente de inflação moderada. Um governo interessado em crescimento deverá aceitar a realidade de falta de flexibilidade produtiva e portanto inflação mais alta. Codificar esta realidade num regime de metas de inflação mais flexível, deverá fazer parte de uma estratégia de crescimento de longo prazo. Adotar uma meta de inflação mais ambiciosa é negligenciar o grande desafio do país: a retomada do crescimento.

Num contexto internacional mais consciente dos custos de inflação baixa e uma economia nacional que precisa crescer a decisão recente do CMN em reduzir a meta de inflação é estranha.

 

Carlos Luque é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e presidente da Fipe.

Simão Silber é professor da FEA-USP

Roberto Zagha foi professor Assistente na FEA-USP nos anos 1970 e no Banco Mundial a partir de 1980, onde encerrou a carreira em 2012 como Secretário da Comissão sobre o Crescimento e o Desenvolvimento, e diretor para a Índia.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4327, 25/08/2017. Opinião, p. A12.