O Estado de São Paulo, n. 45229, 17/08/2017. Política, p. A5

 

Relator recua de propor doações ocultas no texto

Vicente Cândido anuncia retirada de brecha que permitia manter em sigilo nome de financiador; OAB ameaçava questionar proposta no STF

Por: Isadora Peron / Igor Gadelha / Valmar Hupsel Filho / Elisa Clavery

 

O relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP), recuou ontem e anunciou que vai retirar do texto a brecha que permitia manter oculta a identidade de pessoas físicas doadoras de campanha.

O deputado havia incluído em seu relatório apresentado anteontem a possibilidade de que o doador pudesse pedir para que seu nome não fosse divulgado, independentemente do valor repassado.

A proposta recebeu diversas críticas, até mesmo do presidente da comissão da reforma política, deputado Lucio Vieira Lima (PMDB-BA). “É lamentável esse financiamento oculto”, disse. Para Lucio, esse tipo de proposta é “burra” por abrir precedente para que o debate que está sendo feito na Câmara seja criticado e colocado sob suspeita pela população.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chegou a anunciar ontem que iria questionar novamente na Justiça a constitucionalidade das doações ocultas para campanhas eleitorais, caso seu retorno fosse aprovado.

Para o presidente da entidade, Carlos Lamachia, a proposta é um retrocesso que fere os princípios da publicidade, transparência e moralidade. “A sociedade, e principalmente o eleitor, tem direito de ter conhecer quem é o financiador deste ou daquele candidato. Transparência hoje é fundamental, notadamente no momento que estamos vivendo, que é de depuração da classe política”, disse.

 

Supremo. Em 2015, uma proposta semelhante foi barrada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em votação unânime. Na ocasião, a Corte suspendeu o trecho da lei da minirreforma eleitoral, aprovada pelo Congresso, que possibilitaria que doações eleitorais de pessoas físicas feitas a partidos e transferidas para candidatos não fossem identificadas.

Cândido reconheceu ontem que a pressão popular pesou em sua decisão de recuar da proposta. O petista afirmou que decidiu retirar o trecho do relatório porque não havia consenso entre os líderes da Casa. / ISADORA PERON, IGOR GADELHA, VALMAR HUPSEL FILHO e ELISA CLAVERY

 

 

 

 

 

Sem acordo, Câmara adia votação

Por: Felipe Frazão / Isadora Peron / Igor Gadelha

 

BRASÍLIA

 

A falta de acordo sobre a mudança do sistema eleitoral para o distritão e a criação de um fundo público para financiamento de campanha adiou a votação da reforma política prevista para ontem. O debate será retomado na próxima terça-feira, mas já há deputados que afirmam que o impasse é tamanho que há o risco de nenhuma proposta ser aprovada a tempo de valer para a eleição de 2018. Depois da Câmara, o texto ainda tem de passar pelo Senado. O prazo-limite é até o fim de setembro.

Após um dia inteiro de negociações e novas propostas, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrou a sessão no plenário alegando um baixo número de deputados para a votação. Por se tratar de uma emenda à Constituição, o texto precisa do apoio de 308 dos 513 deputados. “A decisão foi minha. Achei melhor encerrar. Tem de ter 470 deputados para votar uma matéria dessa. Com quórum de 430, a gente corria o risco de não conseguir aprovar nada”, disse.

Antes da discussão no plenário, os deputados decidiram, em uma reunião com Maia ontem pela manhã, retirar do texto a especificação de como o fundo seria abastecido. Pela proposta inicial, o fundo teria um valor correspondente a 0,5% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União do ano anterior, o que chegaria a R$ 3,6 bilhões na eleição do ano que vem.

O alto valor destinado às campanhas, em um momento de crise financeira, foi muito criticado na semana passada. A nova proposta é de que o valor seja definido a cada eleição, pelo Congresso, durante a discussão do Orçamento. Não há nenhuma garantia, porém, de que esse montante fique menor do que o já proposto.

A criação do fundo foi articulada pelos parlamentares para compensar a alegada falta de recursos após o Supremo Tribunal Federal proibir as doações de empresas em 2015.

 

Mandatos do STF. O projeto que está sendo discutido pelos deputados também estabelece um mandato de dez anos para ministros de tribunais superiores, como o STF. Hoje, os ministros do Supremo podem permanecer no cargo até completar 75 anos de idade. Apesar de ser uma proposta alheia à reforma política, não foi apresentado até agora um destaque para retirá-la do texto.

A única proposta que não enfrenta resistência é a mudança da data da posse do presidente da República e dos governadores do dia 1.º de janeiro para os dias 6 e 7, respectivamente. /FELIPE FRAZÃO, I.P. e I.G.

 

‘Quórum’

“A decisão foi minha. Tem de ter 470 deputados para votar uma matéria dessa. Com quórum de 430, a gente corria o risco de não conseguir aprovar nada.”

Rodrigo Maia (DEM-RJ)

PRESIDENTE DA CÂMARA