Título: Desastre no gelo anunciado há seis anos
Autor: Gama, Júnia ; Filizola, Paula
Fonte: Correio Braziliense, 28/02/2012, Brasil, p. 8

Militar alertou, em 2006, sobre as más condições de conservação da base militar brasileira. Ministro da Ciência e Tecnologia promete rever o orçamento do projeto. Embaixador diz que fogo foi provocado por curto-circuito, mas pasta da Defesa nega informação

A tragédia na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), que destruiu 70% da base, deixando dois militares mortos e um ferido, estava anunciada há pelo menos seis anos. Em 2006, o oficial de reserva da Marinha Antonio Sepulveda alertou, em artigo, sobre o estado de severa degradação em que se encontrava a estação, com o sistema elétrico defeituoso e vários outros problemas.

No texto, publicado pelo Jornal do Commercio, Sepulveda afirmou que a estação não recebia manutenção adequada e que seu orçamento começou a sofrer cortes desde o início da década de 1990. "Alguns sistemas vitais se encontram comprometidos: rede de esgoto, proteção contra incêndios e transferência de energia elétrica", escreveu. De acordo com o militar, em 2006, três tanques de combustível desabaram por conta de bases apodrecidas, o que poderia ter causado derramamento de óleo.

Sepulveda destacou a necessidade de modernização da estrutura da EACF, inclusive na área de pesquisa. "Os laboratórios precisam ser reformulados, o auditório e a sala de refeições não comportam mais todos os integrantes da estação no período de inverno." Escadas estavam corroídas, tratores e escavadeiras avariados e equipamentos de pesquisa, como motos de neve, botes e lancha oceanográfica, operando de forma insegura. "Os riscos se agravam, porque as comunicações em alta frequência, que permitem monitorar os pesquisadores que trabalham mais afastados, não são confiáveis", escreveu Sepulveda. No artigo, ele defendeu mais investimentos para que a estação fosse recuperada.

Entre 2011 e este ano, os recursos previstos no Orçamento da União para a Missão Antártica caíram de R$ 75,1 milhões para R$ 19,9 milhões. Ontem, dois dias após a tragédia, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, afirmou que irá rever os recursos destinados às pesquisas na EACF. Segundo ele, a pasta investiu R$ 140 milhões de 2007 a 2011 em pesquisas na região. "Não faltarão recursos para a retomada das atividades", prometeu. Estima-se que cerca de 40% dos estudos brasileiros tenham sido perdidos em decorrência do fogo.

Pane elétrica O embaixador do Brasil no Chile, Frederico Cezar de Araújo, afirmou que as apurações preliminares sobre o acidente indicam que uma falha no sistema elétrico gerou o incêndio na estação. O Ministério da Defesa, no entanto, nega a informação, alegando ser prematuro apontar causas. Segundo o órgão, isso só poderá ser feito após o prazo de 40 dias do inquérito policial militar, a cargo da Marinha.

Na madrugada de ontem, por volta da 1h10, os 45 brasileiros que estavam na EACF, incluindo o sargento Luciano Gomes Medeiros, ferido no incêndio, desembarcaram na Base Aérea do Galeão, no Rio, onde foram recebidos pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, e pelo Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto. Antes, em uma escala em Pelotas (RS), desembarcaram quatro pesquisadores, depois transportados até Porto Alegre.

Os corpos do suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e do sargento Roberto Lopes dos Santos deixaram Punta Arenas, no Chile, em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), na tarde de ontem. A aeronave deve chegar na manhã de hoje, quando está marcada uma cerimônia de Homenagens Póstumas, a partir das 9h, na Base Aérea do Galeão, com a presença do vice-presidente Michel Temer. O ministro Celso Amorim também deve participar do evento.

O incidente na Antártida será debatido em audiência pública no Congresso, numa sessão conjunta das comissões de Meio Ambiente; Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática; e Relações Exteriores e Defesa Nacional. O senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) protocolou ontem requerimento solicitando que representantes das pastas e membros da Marinha compareçam à audiência.

O senador Rodrigo Rollemberg, do PSB-DF, presidente da Comissão de Meio Ambiente e membro da Frente Parlamentar Mista de Apoio ao Programa Antártico Brasileiro (Proantar), disse que um dos motivos para a audiência é garantir a rápida reconstrução da base, com novas concepções tecnológicas e segurança. Segundo o embaixador do Brasil no Chile, por ordem da presidente Dilma Rousseff, a base será reconstruída o mais rapidamente possível. No entanto, as obras não devem ser finalizadas em menos de dois anos.

Resgate a navio com combustível A Petrobras iniciará amanhã o resgate da embarcação brasileira que naufragou na Antártida, em dezembro de 2011, quando transportava 10 mil litros de óleo combustível para a Estação Antártica Comandante Ferraz, no Polo Sul. A estatal petroleira vai realizar a operação em conjunto com a Marinha. A embarcação levará a bordo uma equipe de militares composta por meteorologistas, navegadores, mergulhadores e médico. O Brasil é signatário de protocolos internacionais de preservação ambiental na região. Embora tenha ocorrido há cerca de dois meses, o acidente só foi divulgado no último fim de semana. Até o momento, nenhum vazamento de óleo foi constatado e a estrutura da embarcação estava preservada.

Três perguntas para José Augusto de Alencar Moreira Comandante da reserva, ele esteve nas primeiras missões da Estação Comandante Ferraz, em 1984 e em 1985. No verão de 1986 e no inverno de 1987, chefiou a estação.

Quais as diferenças da estação hoje para a época em que o senhor esteve no local? Passávamos apenas uma estação do ano, verão ou inverno. Agora, eles passam o ano inteiro, o que é bem mais desgastante. Mas a estação foi bastante ampliada e atualmente existem mais facilidades, como acesso à internet.

O risco de incêndio na base era previsível? Quando chefiei a estação, fiz um relatório alertando para o problema de incêndio. O local é muito fechado, não tem janelas e a circulação de ar é mínima, o que propicia esse tipo de acidente. Era preciso um sistema de detecção de incêndios, que, depois, foi instalado.

Como o senhor avalia o ato dos militares que tentaram apagar o incêndio? Nós, da Marinha, estamos literalmente no mesmo barco e a estação é como um navio. Se há um incêndio, temos que apagá-lo, não há como chamar os bombeiros. Temos um curso muito eficiente de combate a incêndios e certamente os dois sargentos que combateram o fogo se prepararam para isso.

Cronologia Sábado » Por volta das 2h, ocorreu um incêndio na Praça de Máquinas, onde estão os geradores de energia da Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF). » No início da tarde, a Marinha informou que um militar estaria ferido e outros dois, desaparecidos. O militar ferido e o restante do grupo que estava na EACF no momento do acidente — num total de 45 pessoas — foram transferidos para a base chilena Eduardo Frei. Um avião da FAB foi enviado a Punta Arenas (Chile) para resgatar os pesquisadores e os militares que estavam na estação.

Domingo » Às 16h, o Hércules C-130 deixou Punta Arenas. » Por volta das 17h, a Marinha anunciou ter localizado os corpos dos dois sargentos desaparecidos. » Às 21h, o voo pousou em Pelotas (RS) e seguiu para o Rio de Janeiro horas depois.

Ontem » Por volta da 1h, a aeronave com os sobreviventes chegou ao Rio, onde o grupo foi recepcionado pelo ministro Celso Amorim. » No fim da tarde, os corpos dos dois sargentos mortos no acidente foram embarcados. A previsão era que chegariam ao Rio de Janeiro na manhã desta terça-feira.