Título: Abandono de meta de inflação ameaça país
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 28/02/2012, Economia, p. 10

Sinais de que o Banco Central está abrindo mão do sistema que fixa limites de variação de preços para priorizar o crescimento causam desconfiança e alimentam a crença de que a instituição cortará os juros a qualquer custo

Em meio à descrença do mercado financeiro, que levanta dúvidas se o Banco Central continua a seguir estritamente o sistema de metas de inflação, a autoridade monetária realizou ontem, em São Paulo, a primeira reunião trimestral do ano com economistas de instituições privadas. Mas a autoridade monetária optou pelo silêncio. O diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, mediou o debate entre os participantes e evitou fazer qualquer panorama da economia. Parte dos analistas presentes mostraram-se preocupados com a inflação, sobretudo com o aumento dos preços dos serviços e com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2013. Eles destacaram ainda os riscos de o BC levar o processo de afrouxamento longe demais e disseram a Hamilton que a instituição indica estar testando os limites dos cortes na taxa básica de juros (Selic).

Os especialistas debateram o ritmo da atividade econômica e mostraram que há consenso no mercado sobre um cenário benigno de inflação para este semestre. "Porém, metade dos que estavam presentes acham que a inflação de serviços vai perder força e a outra metade acredita que ela vai subir ainda mais. Nesse ponto, houve uma divisão clara", afirmou um economista que pediu anonimato. Segundo esse participante, o mercado informou ao BC que espera uma retomada da atividade econômica puxada pelo consumo e pelo crédito a partir do segundo trimestre, ou, no mais tardar, no início do segundo semestre. "Na parte externa, todo mundo acha que vai ficar como está, sem grandes alterações nem piora da crise na Europa", disse.

O maior questionamento do mercado, que tem elevado a desconfiança sobre o BC, segundo economistas ouvidos pelo Correio, está na inflação para 2013 e nos efeitos do afrouxamento monetário no ano que vem. "Pelo levantamento semanal da instituição, a dispersão está muito grande entre as instituições financeiras. Há uma distribuição errática, o mercado espera qualquer coisa entre 4,5% e 6,5%", observou Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria. Para Mauro Schneider, economista-chefe do Banif, o Banco Central de Alexandre Tombini e Dilma Rousseff está mais tolerante com a inflação e de olho em outros horizontes da economia que não apenas o da inflação, daí a dispersão das projeções. "Não há tanta preocupação em acertar o centro da meta e isso semeia problemas de médio e longo prazo para o país", alertou.

Na avaliação de Campos Neto, o mercado está disperso porque considera a existência de riscos em torno da política monetária e fiscal. "Reduziram-se muito os ruídos, mas as coisas ainda não estão claras, principalmente por essa percepção de que o governo vai buscar crescimento a qualquer custo", criticou. O mercado, segundo especialistas, começa a questionar se o BC pretende abandonar o sistema de metas de inflação ou mudar a forma como ele foi concebido. Assim, a instituição passaria a ter duas obrigações simultâneas: controlar os preços e garantir o crescimento do país.

Carlos Kawall, economista-chefe do banco Safra, pondera que o sistema de metas não foi abandonado, mas, na visão dele, realmente há uma mudança de foco. "Esse BC é mais abrangente. Ele observa outros parâmetros da economia", disse. Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Arab Banking Corporation (ABC Brasil), defende que o comportamento atual da inflação favorece a estratégia do BC, ao menos a curto prazo. "No caso do IGP-M, por exemplo, o acumulado de 12 meses até março vai estar próximo de 3%, um valor baixo e que reforça a posição do BC na política de redução de juros", afirmou Leal.

Explicações no Senado O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, participa, hoje, de uma audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, onde deve ser questionado sobre a possibilidade de reduzir de maneira mais rápida a taxa de juros básicos da economia (Selic). O chefe da autoridade monetária, entretanto, vai aproveitar a ocasião para passar uma série de recados ao mercado financeiro. O objetivo é suprimir as dúvidas dos economistas sobre as estratégias da instituição e os rumos da inflação até 2013.