O Estado de São Paulo, n. 42231, 19/08/2017. Política, p.A4

 

 

Ministra obriga tribunais a informar salário de juízes

Judiciário. Presidente do STF manda cortes estaduais enviar, em dez dias, dados sobre pagamentos a magistrados; em Mato Grosso, em um mês, magistrado recebeu R$500 mil

Por: Breno Pires

 

Breno Pires

A presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministra Cármen Lúcia, publicou ontem uma portaria que obriga tribunais de Justiça a enviar ao órgão, em um prazo de dez dias, dados sobre pagamentos a juízes. As informações ficarão disponíveis no site do CNJ e poderão ser usadas em procedimentos internos de investigação. A medida foi adotada após a polêmica em torno de altos valores pagos a juízes de Mato Grosso, conforme revelado pela Coluna do Estadão.

A portaria estabelece que os tribunais encaminhem as folhas de pagamento de janeiro a agosto deste ano, especificando separadamente os valores referentes aos salários e as verbas especiais. De acordo com a norma assinada por Cármen Lúcia, que também é presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de setembro, as cortes terão até cinco dias, após o pagamento aos magistrados, para encaminhar cópia da folha salarial.

Na segunda-feira, o Estado mostrou que o juiz Mirko Vincenzo Giannotte, da 6.ª Vara de Sinop, em Mato Grosso, recebeu em julho R$ 415.693,02 líquidos de salário, segundo dados do portal da transparência do Tribunal de Justiça. O valor bruto foi de R$ 503.928,79, incluindo indenização, vantagens eventuais e gratificações. No total, 84 juízes de Mato Grosso receberam em julho pagamentos acima de R$ 100 mil, segundo a Associação Mato-Grossense de Magistrados.

Atualmente, os tribunais já divulgam dados sobre remuneração, mas sem especificar quanto se refere a salários e quais os benefícios. Agora, pela portaria de Cármen Lúcia, as informações discriminadas ficarão disponíveis “para divulgação ampla aos cidadãos e controle dos órgãos competentes e para controle da regularidade do orçamento e finanças dos tribunais pelo CNJ”.

Na portaria, Cármen Lúcia afirmou que “a presidência do Conselho Nacional de Justiça providenciará a adoção de medidas específicas pela Corregedoria Nacional de Justiça para explicitar ou adotar providências, quando for o caso, de descumprimento das normas constitucionais e legais sobre pagamentos realizados sem o fundamento jurídico devido”.

A ministra alegou ser função do CNJ “cumprir as suas atribuições constitucionais de controle da legalidade e da moralidade pública” e destacou “a necessidade de garantir as apurações em curso”. A informação de que Cármen Lúcia publicaria uma portaria visando ao controle de gastos dos tribunais também foi antecipada pela Coluna do Estadão.

Segundo a Constituição, nenhum salário de servidor público pode ultrapassar a remuneração dos integrantes do STF, hoje em R$ 33,7 mil. O salário dos ministros da Corte é considerado o teto do funcionalismo, mas servidores acabam recebendo acima por causa de outros benefícios, como auxílios, gratificações e abonos.

Repercussão. O presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Veloso, manifestou apoio à portaria. “É uma medida muito boa. Importante. Nós já esperávamos que o CNJ tomasse essa atitude de controle dos vencimentos dos tribunais de Justiça”, disse ao Estado.

Veloso afirmou que não há, na magistratura federal, pagamento de salários acima do teto constitucional. “Eu posso afiançar que, na Justiça Federal, não há supersalários, até mesmo esse era um dos maiores questionamentos dos juízes federais, porque viam os juízes dos Estados receberem verbas que não estavam sendo pagas aos juízes federais, e ao mesmo tempo não havia um controle por parte do CNJ”, disse.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira, classificou como “importante” a portaria do CNJ, mas afirmou que os altos valores pagos a juízes se devem a “passivos” antigos. “A grande dificuldade hoje é que muitos tribunais têm passivos para quitar não só com juízes, mas também com servidores. No âmbito federal, esses valores foram quitados. No âmbito estadual, muito disso foi parcelado, porque os Estados não tinham condições de pagar”, afirmou Oliveira.

Segundo o juiz, esses passivos já foram reconhecidos como valores devidos pela Justiça. “O problema é que, quando você não paga na época correta, acaba gerando correção monetária e juros”, disse. / COLABOROU ISADORA PERON

 

- À espera

“Nós já esperávamos que o CNJ tomasse essa atitude de controle dos vencimentos dos tribunais de Justiça.”

Roberto Veloso

PRESIDENTE DA AJUFE

 

“O Conselho Nacional de Justiça manterá, em seu sítio, espaço específico de transparência dos dados.”

PORTARIA DO CNJ

 

 

 

 

 

 

 

O dia em que o Supremo Tribunal Federal deu um basta

 

Bastidores: Andreza Matais

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, decidiu tomar medidas sobre as remunerações no Judiciário após receber pelo WhatsApp mensagem do colega Gilmar Mendes sobre o pagamento de R$ 500 mil a um juiz de Mato Grosso, no contracheque de julho. A notícia havia sido divulgada pela Coluna do Estadão.

Cinco dias antes, por causa da crise fiscal, os ministros do Supremo concordaram, por oito votos a três, em não conceder a si mesmos reajuste salarial em 2018. Como explicar, então, que um juiz de primeira instância recebera 15 vez mais do que eles, a maior parte em indenização?

Na reunião administrativa, os altos salários pagos a juízes de São Paulo já haviam chamado a atenção dos ministros. Gilmar levou uma tabela que mostrou pagamentos de R$ 70 mil, R$ 80 mil a cerca de 300 magistrados. Quem participou diz que isso ajudou a definir o placar contra o reajuste dos ministros. Segundo relatos, Ricardo Lewandowski chegou a defender o desligamento do ar-condicionado do Supremo para que a economia de recursos pudesse bancar o reajuste, mas conseguiu apenas chocar ainda mais os colegas.

O salário também foi tema de conversa entre a presidente do Supremo e o presidente Michel Temer. Já no elevador de saída de um evento na Advocacia-Geral da União (AGU), Temer disse que não encaminharia pedido de reajuste para o Congresso. Foi avisado ali de que, da parte do Supremo, não precisaria se preocupar com isso.

Na quarta-feira, diante da repercussão do caso envolvendo o “juiz de meio milhão”, a presidente do STF convocou o corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, para uma reunião a portas fechadas. Os dois decidiram tomar uma medida mais enérgica.

O ato assinado por Cármen Lúcia anteontem, contudo, deixou até o corregedor surpreso. Em uma canetada, ela determinou que todos os tribunais de Justiça encaminhem as folhas salariais para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) até cinco dias após os pagamentos – a portaria foi publicada ontem. Hoje, cada tribunal informa como quer o dado em sua página na internet, o que dificulta a consulta. Quem busca a informação precisa registrar nome, CPF e é avisado de que o IP do computador “ficará registrado no sistema”.