Correio braziliense, n. 19757, 30/06/2017. Política, p. 4

 

STF poderá revisar delações

Alessandra Modzeleski

 

30/06/2017

 

 

Após quatro longas sessões, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que os acordos de delação premiada poderão ser revisados pelo colegiado caso fique comprovado que o delator não cumpriu as exigências feitas pelo Ministério Público Federal. Esses acordos poderão até mesmo ser anulados caso fatos novos apontem ilegalidades na negociação, como a coação de uma das partes, provas falsas ou casos comprovados de tortura. Como definido nas sessões anteriores, os ministros entenderam, ainda, que caberá ao ministro relator homologar a delação monocraticamente.

No momento da homologação, o ministro terá que analisar pontos como voluntariedade do delator, regularidade e legalidade do acordo. Esse julgamento do STF, no entanto, não afeta o acordo premiado dos irmãos Batista, donos da JBS, já que o MPF acordou imunidade penal aos dois. A delação dos empresários, de relatoria de Edson Fachin, foi o ponto inicial para que o plenário discutisse duas questões de ordem do ministro após as muitas críticas feitas sobre o acordo. Ao longo das quatro sessões, apenas o ministro Gilmar Mendes votou para que a homologação do acordo ficasse a cargo de todo o colegiado e não apenas do relator.

O centro da discussão nas duas últimas sessões foi em que ponto do processo ou em quais situações o acordo do MP com o delator poderia ser revisto. Inicialmente, Fachin propôs que houvesse a vinculação do acordo após a homologação. A ideia era evitar que os termos fossem revisados a qualquer momento ou na sentença, o que enfraqueceria o instituto da delação premiada. Nesses casos, os benefícios poderiam ser revisados se algum fato novo indicasse ilegalidade.

Ricardo Lewandowksi, Gilmar Mendes e Marco Aurélio defenderam que não há vinculação à homologação e que é possível revê-la, independentemente do descumprimento. Durante a revisão dos votos por Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes propôs uma nova redação retirando a vinculação. Dessa forma, Fachin conquistou votos favoráveis de oito colegas.

Ao fim do julgamento, a presidente da Casa, Cármen Lúcia, última a votar, lembrou que, durante todo o debate, nunca se colocou em xeque o instituto da delação premiada. A intenção do colegiado era discutir as formas e modalidades de aplicação, segundo a ministra. “Esse instituto se mantém em vigor e sem ele não se teria chegado ao ponto das investigações e do processo de apuração e depuração dos crimes objetos de julgamento que, hoje, estarrecem a nação”, afirmou.

Alívio

Após o fim do julgamento no STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, comemorou a decisão e a classificou como histórica. Ele disse que o Supremo reafirmou a possibilidade de o Ministério Público fechar os acordos. “O recado é: o MP, quando faz um acordo, desde que o colaborador cumpra as suas obrigações no contrato que vai ser aferido e que não haja nenhuma ilegalidade, vai entregar aquilo que se comprometeu. Dá segurança jurídica e confiança”, afirmou.

Janot comentou, ainda a possibilidade de o colegiado do Supremo avaliar o conteúdo do acordo depois de sua homologação, como sugerido por Gilmar Mendes, poderia levar insegurança aos réus colaboradores. O chefe da PGR lembrou também que, se surgirem casos de tortura ou negociações ilegais entre o MP e a defesa, o acordo tem que ser anulado. “É óbvio que pode ser revisto o acordo. Ninguém aqui quer agasalhar a ilegalidade”, afirmou.

Para o professor de direito da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Henrique Blair, a decisão do plenário de revisar um acordo de delação premiada caso fique comprovada irregularidades “pode parecer uma grande surpresa, mas não muda muito não”. “Nós temos essa prática no cotidiano, nas varas criminais, nos tribunais de Justiça. Nesse caso, é revisto, no momento da aplicação do resultado, se houve algum vício, a validade do ato e se a delação atingiu o resultado judicial. Ou seja, levantou indícios e elementos para investigar as pessoas delatadas”, explicou. “Como o caso em questão (o da delação da JBS) deu uma repercussão política muito grande, parte da sociedade teve a impressão que aquilo não poderia ser revisto”, explicou Blair sobre as discussões na instância superior.

Sobre a decisão da corte de o relator homologar sozinho a delação, o especialista afirmou que a interpretação seguiu um caminho adequado, tendo em vista a urgência da homologação. “Porque apenas depois da homologação que a investigação pode prosseguir. A investigação ficaria toda travada, esperando uma decisão de todo o colegiado, que anda muito mais devagar que o relator”, analisou.

Blair explicou que, caso a decisão fosse analisada por todo o colegiado, isso poderia prejudicar as investigações, inclusive com ocultações ou perdas de prova por conta de vazamentos eventuais do conteúdo, que ficaria por muito mais tempo exposto.  “Por outro lado, o tribunal, por maior, se reservou o direito na hora de julgar o mérito do acordo premiado. Do ponto de vista do equilíbrio do acerto, essa decisão não tira o poder de voto de ninguém. Acredito que as decisões caminharam para um centro razoável”, concluiu.

Resultado do julgamento

Homologação monocrática pelo relator

Placar: 10x1

(Voto contrário: Gilmar Mendes)

Validade do acordo da JSB pela homologação de Fachin

Placar: 8x2

(Votos contrários: Gilmar Mendes e Marco Aurélio/ Lewandowski não estava presente)

Manter relatoria de Fachin no caso JSB

Placar: 11x0