Correio braziliense, n. 19755, 28/06/2017. Política, p. 4

 

Lista fechada, impasse aberto 

Natália Lambert e Renato Souza 

28/06/2017

 

 

Em meio a uma guerra travada entre a Presidência da República e a Procuradoria-Geral da República (PGR), procuradores de todo o Brasil elegeram ontem a lista tríplice para a substituição de Rodrigo Janot como chefe do Ministério Público Federal (MPF), em eleição organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). E o resultado deve acirrar ainda mais as divergências entre as duas instituições, já que o primeiro colocado no processo de escolha foi o subprocurador-geral Nicolao Dino, com 621 votos. Dino é o nome que tem o apoio de Janot para sucedê-lo e, provavelmente, não será escolhido pelo presidente Michel Temer para o cargo. Desde 2003, o campeão de votos é o nome indicado pelos chefes do Executivo, mas o peemedebista deve quebrar a tradição.

Preferida da bancada do PMDB no Congresso e do Palácio do Planalto, a subprocuradora da República Raquel Dodge, a segunda na lista, com 587 votos, provavelmente será a indicada por Temer para passar por sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado e ser nomeada como a nova procuradora-geral da República, a partir de 17 de setembro, quando termina o mandato de Rodrigo Janot. Ligada ao ex-presidente da República José Sarney, Raquel também teria mais facilidade de passar pelo crivo dos 53 senadores integrantes da CCJ, entre titulares e suplentes, muitos deles investigados pela Operação Lava-Jato. Em terceiro na disputa, ficou o subprocurador Mario Luiz Bonsaglia (564 votos).

Em entrevista ao Correio, Raquel foi diplomática e afirmou que aguarda um posicionamento do presidente em relação a um dos três nomes. “A partir de agora, a lista será enviada ao presidente e será um processo já estabelecido pela Constituição”, ressalta. A lista saiu em meio a um duro discurso de Michel Temer, que acusa Janot de utilizar provas ilícitas na denúncia contra ele encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Raquel disse que não assistiu ao pronunciamento, mas destacou os desafios do cargo. “O desafio de ser um procurador-geral da República existe sempre em qualquer situação.” Procurados pelo Correio, os outros integrantes da lista tríplice não quiseram se pronunciar.

A divulgação dos nomes repercutiu imediatamente entre os integrantes da força tarefa da Lava-Jato. O novo procurador-geral é visto como crucial para evitar interferências e manter o andamento da operação. Um dos procuradores, que pediu para não ter o nome divulgado, defendeu a escolha de Dino. “O procurador Nicolao tem uma ótima carreira, no combate à corrupção e na defesa da democracia. Os três têm ótimos currículos, mas o Nicolao foi o mais votado. Caso o presidente Temer não escolha ele, terá de dar muitas justificativas para a sociedade. Essa decisão é importante para a Lava-Jato, que não deve ser uma prioridade somente da Justiça, mas, sim, do Brasil”, comenta.

Preferência

Para o presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti, a lista tem ordem de votação e ela não é desimportante. Mas, segundo ele, a decisão é do presidente da República e o objetivo principal do processo de votação é que a escolha da categoria seja respeitada, já que não há nenhuma obrigação legal de Temer escolher um dos nomes sugeridos. “A lista significa sim uma ordem de preferência, mas os três candidatos são gabaritados, de altíssimo nível e com total capacidade de liderança no MPF”, afirma Robalinho.

Já o ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira, que ocupou o cargo de 1989 a 1995, diz que lista é uma forma de sugestão e pressão legítima da categoria, mas discorda da necessidade de o presidente escolher o primeiro nome. “Se for o primeiro, não precisa de lista tríplice, basta mandar um nome e a escolha será da entidade de classe, e não do presidente”, diz. Para Junqueira, o mais importante é que o novo PGR tenha virtudes que não sejam somente o notável saber jurídico. “Ele (futuro chefe da PGR) tem que ser prudente, tranquilo, imparcial. A tranquilidade vem da imparcialidade e a prudência não significa não agir, mas agir com serenidade. Não se pode fazer do cargo uma guerra contra alguém ou contra todos. O exercício da função não é de guerra. É de se fazer cumprir a Constituição.”

Os três mais votados

NICOLAO DINO

O mais votado por procuradores ativos e aposentados é irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), rival político da família Sarney. Natural de São Luís, Nicolao é subprocurador-geral da República e vice-procurador-geral Eleitoral. Neste último posto, ele pediu a cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em julgamento realizado no início deste mês. Dino declarou que todos os fatos evidenciavam “claro abuso do poder econômico”. Por essa e outras posturas, nunca apareceu na lista de favoritos dos aliados do presidente Michel Temer ao cargo de chefe da PGR.

Dino atuou no Conselho Nacional do Ministério Público como conselheiro e presidente da Comissão de Planejamento Estratégico e Acompanhamento Legislativo. Foi membro suplente da 2ª e 4ª Câmaras de Coordenação e Revisão, além de ter coordenado a Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (MPF).

Nicolao Dino foi, ainda, diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), secretário de Relações Institucionais do MPF, procurador regional eleitoral, procurador regional dos direitos do cidadão e procurador-chefe da Procuradoria da República no Maranhão. É mestre em direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Foi presidente da ANPR entre 2003 e 2007. Ingressou no MPF em 1991.

Raquel Dodge

Única mulher da lista tríplice e segunda mais votada, com 587 votos, Raquel Elias Ferreira Dodge é subprocuradora-geral da República e oficial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em matéria criminal. Conhecida por travar embates com o atual procurador-geral, Rodrigo Janot, Raquel passou a figurar como a preferida da bancada do PMDB no Congresso e, consequentemente, do presidente Michel Temer. Um dos embates tratou, inclusive, da proposta da subprocuradora de limitar em 10% o contingente de procuradores da República que podem ser cedidos a outras unidades da Federação, e somente pelo período de quatro anos. Segundo Janot, isso afetaria os trabalhos da Lava-Jato. E mais um ponto a favor de Raquel para a escolha do presidente Michel Temer: ela é ligada ao ex-presidente da República José Sarney.

Apesar das polêmicas, Raquel sempre teve fama de linha dura no combate à corrupção, tendo, inclusive, feito algumas inimizades. Mestre em direito pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, atuou na Operação Caixa de Pandora, que resultou na prisão por corrupção do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda e, em primeira instância, na equipe que processou criminalmente Hildebrando Paschoal e o esquadrão da morte — trabalho que resultou em algumas ameaças.

No MPF desde 1987, Raquel é integrante do Conselho Superior do Ministério Público pelo terceiro biênio consecutivo e também integra a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão, que trata de assuntos relacionados ao Consumidor e à Ordem Econômica. Ela, ainda, foi coordenadora da Câmara Criminal do MPF, membro da 6ª Câmara, procuradora federal dos Direitos do Cidadão Adjunta. E atuou na equipe que redigiu o I Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil, e na I e II Comissão para adaptar o Código Penal Brasileiro ao Estatuto de Roma.

MARIO LUIZ BONSAGLIA

O terceiro candidato mais votado para a lista tríplice ingressou no Ministério Público Federal (MPF) em 1991. Atualmente, é subprocurador-geral da República, com designação para atuar em feitos criminais da 5ª e 6ª turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e em sessões da 2ª turma de direito público. Bonsaglia era um dos cotados para vencer a disputa.

Na última lista tríplice, ele foi o segundo mais votado, com apoio de 462 eleitores. Perdeu a indicação para Rodrigo Janot. É o atual conselheiro e vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal (desde 2014). Também coordenada a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão (desde 2014), que trata do Sistema Prisional e Controle Externo da Atividade Policial.

Mario Bonsaglia atuou como conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (biênios 2009-2011 e 2011-2013) e foi membro suplente da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (2008-2009), com atuação em matéria criminal. Também foi procurador regional eleitoral em São Paulo (biênios 2004-2006 e 2006-2008), diretor da Associação Nacional dos Procuradores da República (1999-2001), e Procurador de São Paulo (1985-1991). É doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).

Frase

“O exercício da função não é de guerra. É de se fazer cumprir a Constituição”

Aristides Junqueira, ex-procurador-geral da República

Eleições da PGR

Resultado final

1 - Nicolao Dino de Castro e Costa Neto      621 votos

2 - Raquel Elias Ferreira Dodge      587

3 - Mario Luiz Bonsaglia      564

4 - Ela Wiecko Volkmer de Castilho      424

5 - Carlos Frederico Santos      221

6 - Eitel Santiago de Brito Pereira      120

7 - Sandra Veronica Cureau      88

8 - Franklin Rodrigues da Costa      85

Total de votos      3324

Válidos      2710

Brancos      605

Nulos      9

Eleitores aptos      1302

Votantes      1108