Denúncia segue para a Câmara

Paulo de Tarso Lyra

29/06/2017

 

 

 

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu os pedidos da defesa do presidente Michel Temer e encaminhou ao Congresso a denúncia de corrupção passiva feita pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O relator da Operação Lava-Jato na Suprema Corte estava em dúvida se precisaria dar um prazo prévio de 15 dias para os advogados do presidente se pronunciarem. Disposto a acelerar a tramitação no Congresso, o advogado Gustavo Guedes pediu pessoalmente a Fachin a supressão desse tempo.

Ontem, o ministro acatou a proposta e afirmou que é a decisão correta, porque a outra hipótese estudada terminaria por “aniquilar o próprio escopo protetivo da Presidência da República buscado pela Constituição ao submeter a acusação por crime comum a um juízo prévio”. Para Fachin, essa análise, predominantemente política, deve ser feita pelos deputados.

Fachin explicou que “a Câmara dos Deputados realiza um juízo predominantemente político de admissibilidade da acusação, enquanto compete ao Supremo Tribunal Federal um juízo técnico-jurídico”. Frisou ainda que essa solução representa a correta interpretação da Constituição.

Segundo o relator do processo no Supremo, não faria sentido abrir espaço neste momento para a defesa se manifestar perante o STF. “A realização de um juízo de admissibilidade pelo Supremo Tribunal Federal, prévio ao da Câmara dos Deputados, implicaria admitir que a Constituição teria imposto ao Presidente da República a necessidade de enfrentar o juízo predominantemente político, a ser realizado pela Câmara dos Deputados, fora do exercício de suas funções”, disse Fachin.

O ministro defende a regra pela qual um presidente da República só poderá ser processado após aprovação de dois terços do plenário da Câmara. “Isso tem por finalidade proteger a soberania do voto popular, impondo que, quem for eleito pelo sufrágio só seja afastado do exercício de seu mandato com a autorização dos representantes do próprio povo. É um imperativo constitucional próprio das democracias”, disse ele.

Aliviado com a decisão, o Planalto monta agora a estratégia para sobreviver à tramitação da denúncia na Câmara. Janot ainda poderá acusar Temer por formação de quadrilha e obstrução de Justiça, baseado no laudo da Polícia Federal em relação aos áudios das conversas do presidente com o empresário Joesley Batista, dono do grupo JBS.

O Planalto ainda não tem claro se o melhor é analisar imediatamente a denúncia já apresentada ou se é mais prudente unir todas as acusações contra o presidente em uma peça única a ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça. Juristas com bom trânsito no governo lembram que há jurisprudência de se anexar em um processo único acusações diversas feitas contra a mesma pessoa (o presidente) elaboradas pelo mesmo ente (o procurador-geral).

Por outro lado, avaliam aliados políticos, isso pode fazer com que o procurador retarde o envio das demais denúncias com o objetivo de desgastar o presidente. Neste cenário, arquivar de imediato a primeira acusação poderia ser um sinal de força. “Como não existirá fato novo, provaremos que o procurador está agindo politicamente”, disse ao Correio um aliado do presidente.

Isso não significa, no entanto, que o Planalto esteja absolutamente tranquilo. Estrategistas políticos já mediram o humor na Câmara e sabem que muitos parlamentares já expressaram desconforto em defender o governo a pouco mais de um ano das eleições. Por isso, a busca para obter os 172 votos virou obsessão.

“Temos que trabalhar, e muito. Já tomamos sustos grandes na aprovação da urgência da reforma trabalhista no plenário da Câmara e a mesma proposta foi derrotada na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Não podemos nos descuidar”, alertou um líder governista.

 

Desgaste

Para o advogado criminalista Sérgio Camargo, a situação do presidente Temer é delicada, mas retirá-lo do cargo um ano após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff trará muito desgaste para a economia brasileira. “Essa oscilação não fará com que recuperemos a credibilidade. O melhor é fazer a travessia para elegermos um novo governo em 2018”, disse o criminalista, especialista em corrupção e crime organizado pela Universidade de Salamanca.

É nesse argumento que os aliados do Planalto se apoiam. Para um interlocutor do presidente, Temer pode se beneficiar da falta de um nome de consenso para sucedê-lo caso venha de fato a ser afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal. “Além da falta de um nome, temos a nosso favor uma agenda clara para o país e o calendário apertado. Se Temer deixar o cargo, a eleição indireta só ocorrerá no início de 2018, próximo das eleições normais previstas em lei”, avaliou o aliado do presidente.

 

 

Correio braziliense, n. 19757, 29/06/2017. Política, p. 4.