O Estado de São Paulo, n. 45214, 02/08/2017. Política, p. A6
Por: Felipe Frazão / Carla Araújo
Felipe Frazão
Carla Araújo
O presidente Michel Temer disse ontem que “seguramente” espera uma vitória na votação no plenário da Câmara dos Deputados da denúncia contra ele por corrupção passiva apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) com base nas delações do Grupo J&F. “Quem ganha é o Brasil”, afirmou Temer ao ser questionado pelo Estado sobre a previsão da votação de hoje no plenário.
O presidente visitou no início da tarde de ontem o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que fez 67 anos. Ele esteve na casa do deputado logo depois de almoçar com mais de 60 parlamentares da bancada ruralista, no Lago Sul, em Brasília. Ao atravessar a rua, o presidente fez a comitiva impedir o trânsito local por alguns instantes para a rápida visita.
Temer ficou menos de cinco minutos no local. Estavam com Heráclito o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho (PSB), e os deputados Benito Gama (PTB-BA), Tadeu Alencar (PSB-PE), Rubens Bueno (PPS-PR), acompanhado do prefeito de Campo Mourão (PR), e Tauillo Tezelli (PPS). Alencar e Bueno são votos contra o presidente.
O PSB deixou a base do governo em maio, logo após a divulgação da delação do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS. A delação, em que Temer é citado, foi usada como base para a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Apesar da saída do partido da base, Bezerra Coelho permaneceu no governo do peemedebista.
Ao chegar, o presidente cumprimentou Heráclito e disse ao Estado que estava seguro de que derrubará a denúncia: “Com o apoio do Heráclito tudo dá certo”, afirmou.
Almoço. Temer não quis almoçar novamente e deu apenas duas garfadas em um doce de bacuri, típico do Piauí, que Heráclito insistiu para que ele experimentasse. Mais cedo, Temer já havia comentado sobre a decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara que aprovou um parecer contra o prosseguimento da denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF). “Quem tem de votar são os que querem destruir aquilo que a CCJ decidiu”, afirmou Temer. “A CCJ já decidiu que não há autorização, agora é o plenário”, afirmou.
Hoje, a votação em plenário será transmitida pela TV Globo. A emissora informou ontem que a transmissão será iniciada a partir da apresentação do primeiro voto.
ACUSAÇÃO E DEFESA
Gravação de Joesley
O que diz a acusação: Afirma que os assuntos tratados pelo empresário com o presidente Michel Temer “envolviam a prática de crimes”, como vantagem indevida a Eduardo Cunha e a “compra” de um procurador.
O que diz a defesa: Aponta “falta de autenticidade da gravação” da conversa do presidente com Joesley na noite de 7 de março no Palácio do Jaburu. Para a defesa, a gravação foi editada.
Rodrigo Rocha Loures
O que diz a acusação: O ex-deputado (PMDB-PR) recebeu, em nome do presidente e Michel Temer, mala contendo R$ 500 mil como pagamento por resolver pendências da J&F no Cade e na Petrobrás.
O que diz a defesa: Desafia a Procuradoria-Geral a apontar “dados concretos” sobre o recebimento dos R$ 500 mil. “É afirmação lançada ao léu sem base em fatos, provas, objetividade.”
ANÁLISE: João Domingos
O presidente Michel Temer deverá sair vencedor na votação da Câmara dos Deputados que decidirá hoje se autoriza ou não o Supremo Tribunal Federal (STF) a abrir processo contra ele por corrupção passiva.
Como Temer conta hoje com mais de 172 apoiadores, número suficiente para evitar o início das investigações e automático afastamento da Presidência da República por 180 dias, significa que os contrários a ele não têm os 342 votos exigidos para que a ação prossiga, conforme determinação constitucional. Mas dificilmente Temer passará dos 290 ou 300 votos.
Indagado ontem à tarde se está confiante na vitória, Temer respondeu: “Seguramente. Quem ganha é o Brasil”.
É uma frase forte. Sobre ela deve-se pensar um pouco. Temer, de fato, salvará o mandato, mas dificilmente a vitória dele poderá ser considerada uma vitória do Brasil. Seria se ele obtivesse de 320 a 340 votos. Não por Temer, mas pelo que a vitória de tal expressividade representaria.
No mínimo, o presidente poderia se dedicar novamente à reforma da Previdência, depois à tributária, à política, e assim por diante. Acontece que, se ficar com menos de 300 votos, Temer encontrará pela frente enormes dificuldades para tocar as reformas. Portanto, o Brasil não ganha nada.
O presidente da República pode dizer que venceu. Isso é incontestável. Afinal, números são números.
Mas, será uma vitória apenas matemática. Sem uma vantagem grande, Temer passa a ser um presidente comum, preocupado em sobreviver.
Perderá a força que teve no início do mandato, quando aprovou a difícil Emenda à Constituição do Teto de Gastos para o setor público.