O Estado de São Paulo, n. 45215, 03/08/2017. Política, p. A4.

 

Câmara barra denúncia por corrupção contra Temer

03/08/2017

 

 

PRESIDENTE ACUSADO / Articulação para barrar acusação da PGR mobilizou o Planalto no último mês e continuou ontem Ministros e líderes partidários negociavam emendas até durante a sessão Presidente pode ser alvo de novas acusações

 

 

Após uma intensa articulação política que mobilizou o Palácio do Planalto nos últimos 34 dias, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou ontem a autorização para que o Supremo Tribunal Federal julgue a denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer. O parecer do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), que recomendava o arquivamento da acusação formal feita pela Procuradoria-Geral da República, recebeu 263 votos favoráveis e 227 contrários. Houve 19 ausências e 2 abstenções.

Com a decisão, a denúncia contra Temer por este crime só poderá ser eventualmente analisada após o peemedebista deixar o cargo. A vitória do governo já era esperada. O presidente comemorou: “A decisão soberana do Parlamento não é uma vitória pessoal de quem quer que seja”. Para barrar a denúncia, Temer precisava do apoio de ao menos 172 deputados. Já a admissibilidade da acusação dependia de pelo menos 342 votos, ou 2/3 da Câmara.

A investida do governo não parou. Ministros e líderes partidários negociavam emendas até durante a sessão da Câmara. Ao anunciar o voto contra o prosseguimento da denúncia, boa parte dos deputados governistas usou como justificativa a recuperação econômica e a necessidade de aprovação das reformas no Congresso. Foi a primeira vez que um presidente da República sofreu acusação formal por um crime comum no exercício do cargo.

Temer foi denunciado sob a acusação de ser o destinatário de uma mala com R$ 500 mil repassados pela J&F para o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), seu ex-assessor. Um aval da Câmara poderia levar ao seu afastamento da Presidência por até 180 dias caso a denúncia fosse aceita no Supremo. O peemedebista, porém, poderá ser alvo de novas acusações. Ontem chegou ao STF pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para que Temer e seja incluído no rol de investigados do inquérito do “quadrilhão” do PMDB da Câmara no âmbito da Lava Jato.

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Centrão mostra força, pede punição a infiéis e cobra cargos do PSDB

Eduardo Rodrigues / Fernando Nakagawa / Igor Gadelha / Isadora Peron / Julia Lindner/ Renan Truffi / Thiago Faria

03/08/2017

 

 

PP, PSD, PR e PTB foram os primeiros a apoiar o presidente; governo fez negociações em plenário e exonerou ministros

 

 

O placar da votação na Câmara mostra que o presidente Michel Temer teve o apoio decisivo do Centrão, grupo formado, entre outros, por PP, PSD, PR e PTB. Os partidos foram os primeiros a apoiar o presidente e cobram punição a siglas e parlamentares aliados que “traíram” o peemedebista e votaram pela admissibilidade da denúncia.

A artilharia mais pesada será contra o PSDB, legenda que se dividiu na votação e comanda quatro ministérios. O foco principal é a pasta das Cidades.

O governo articulou o dia todo para tentar garantir um placar favorável. Negociou emendas parlamentares até no plenário, exonerou dez ministros para reassumir o mandato de deputado e tentou neutralizar a estratégia da oposição de obstruir ou adiar a votação.

No discurso do Planalto, o foco, agora, é dar prioridade à agenda de reformas no Congresso, principalmente a da Previdência, que está pronta para ser votada na Câmara. Para o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), será preciso recompor os partidos da base aliada. “Sabemos que vamos ter que reorganizar a votação. Para ter os 308 votos necessários, vamos ter de reorganizar”, disse Maia.

Desde que o caso chegou à Câmara, em 29 de junho, Temer intensificou a articulação política e a liberação de emendas para conseguir um placar mais folgado e demonstrar força visando à votação das reformas. No caso da Previdência, por se tratar da uma emenda à Constituição, a proposta precisa de, no mínimo, 308 votos favoráveis.

No último mês, o governo também investiu em uma agenda focada no Congresso, recebendo diariamente dezenas de deputados e senadores no Planalto. Ontem, um dos desafios de Temer foi, não só garantir os 172 votos para barrar a denúncia, mas também alcançar o quórum de 342 deputados no plenário. A estratégia da oposição de obstruir a votação falhou.

Para o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), a Câmara “inventou” uma nova forma de obstrução da Justiça ao barrar o seguimento da denúncia. “A Câmara inventou a obstrução parlamentar. E tudo isso pago com dinheiro público, que está faltando nas escolas, nos hospitais e na segurança pública. Quem está pagando a conta por essa vergonha que aconteceu hoje (ontem) aqui na Câmara é a população brasileira”, disse.

Como o Supremo Tribunal Federal não recebeu o aval da Câmara para julgar a denúncia encaminhada pela Procuradoria-Geral da República, caberá ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, definir os próximos passos do inquérito em que Temer é acusado de corrupção passiva com base na delação dos empresários e irmãos Joesley e Wesley Batista, do Grupo J&F.

Ontem, no plenário, o advogado de Temer, Antônio Claudio Mariz de Oliveira, classificou a denúncia como “capenga” e disse que o presidente foi acusado de receber uma “mala de dinheiro”, mas esta mala nunca foi parar “no colo” dele.

Para o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PPPB), “o resultado foi expressivo, que reafirma a Câmara dos Deputados como um instrumento de equilíbrio institucional, de evitar que se haja arbítrio”. “Não se pode ter no País é essa profusão de investigações e, em um momento de grave crise, trazer instabilidade para o País”, afirmou.

Já o líder do PT, Carlos Zarattini (SP), disse que o governo ganhou a batalha, mas a oposição sai mais forte e vai trabalhar para conquistar apoios em uma eventual segunda denúncia. 

 

Suspensão

A defesa do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) pediu ao STF a suspensão de todos os atos do inquérito em que ele e o presidente Michel Temer são investigados por obstrução da Justiça.