O Estado de São Paulo, n. 45215, 03/08/2017. Política, p. A6.

 

PSDB escancara disputa interna nos votos

Renan Truffi / Julia Lindner

03/08/2017

 

 

Com o apoio de Alckmin, deputados de São Paulo votaram em peso contra Temer, enquanto Aécio trabalhou para obter maioria pró-governo

 

 

A votação da bancada do PSDB na Câmara sobre a denúncia contra o presidente Michel Temer refletiu a disputa interna vivida no partido. Mesmo licenciado do comando da legenda, o senador Aécio Neves (MG) trabalhou para obter maioria pró-governo entre os tucanos. Do outro lado, o senador Tasso Jereissati (CE) e o governador Geraldo Alckmin (SP) foram as principais forças aglutinadoras contra Temer.

O placar entre os tucanos ficou apertado: 22 foram contra o prosseguimento da denúncia e 21 a favor. Houve ainda quatro ausências, das quais três eram considerados votos certo contra Temer: Shéridan (RR), Pedro Vilela (AL) e Eduardo Barbosa (MG) – este último faltou por causa da morte de sua mulher em um acidente.

As movimentações começaram no início do dia, quando o Planalto exonerou dez dos 12 ministros com mandato de deputado. Ficou de fora Ricardo Barros (PP-PR), da Saúde, cujo suplente é Nelson Padovani (PSDB-PR). O Planalto sabia que ambos votariam a favor de Temer, mas optou por não fazer a substituição para garantir um voto a mais do PSDB.

A ala tucana pró-desembarque atribuiu a estratégia a Aécio. Outro foco de atuação do senador mineiro teria resultado na ausência da deputada Shéridan, que era contabilizada como voto contrário ao governo. Aos colegas, ela teria prometido desembarcar em Brasília até o meio-dia, mas não atendeu mais às ligações.

Aécio, no entanto, nega ter influenciado a votação da bancada, dizendo que o assunto é “exclusivamente da Câmara”. Nos bastidores, a ala mineira acusou Alckmin de pressionar os deputados paulistas a votarem contra o governo.

“Agora o racha é evidente. Não tem mais ninguém em cima do muro. Não tem nada pessoal, mas há uma disputa partidária de dois grupos. A discussão sobre o desembarque anda com a escolha do presidente do partido”, disse o deputado Daniel Coelho (PSDB-PE), um dos líderes do grupo que defende a eleição permanente de Tasso para o comando da legenda.

 

Sem unidade. Do lado de Tasso, as movimentações foram feitas na reunião da bancada na Câmara. O encontro, feito antes do início da sessão, foi esvaziado pelos simpáticos a Temer, mas o líder do PSDB na Câmara, deputado Ricardo Tripoli (SP), decidiu orientar a bancada pelo prosseguimento da denúncia.

Na prática, a decisão significava recomendar voto da bancada contra o relatório do próprio partido, uma vez que o deputado Paulo Abi-Ackel (MG) assinou parecer recomendando a rejeição do pedido de investigação.

“Faço uma consideração ao meu colega, a quem estimo e respeito, mas cujo parecer não representa o partido, nem foi respaldado previamente pelos colegas”, disse Tripoli. O líder é visto como um aliado de Tasso, presidente interino do partido, e admitiu que conversou com o senador cearense sobre o posicionamento da bancada. Entre os paulistas, 11 dos 12 votaram pelo prosseguimento da denúncia.

“Isso pegou a bancada de surpresa e não reflete o sentimento da maioria do partido”, afirmou o deputado Domingos Sávio (MG), aliado de Aécio. A medida também foi vista como uma forma de constranger os ministros tucanos – Antonio Imbassahy (BA), da Secretaria de Governo, e Bruno Araújo (PE), das Cidades.

Antes de o resultado da votação ter sido proclamado, Aécio e Tasso já tinham combinado de se encontrar hoje para discutir o comando do PSDB. A reportagem apurou que Aécio quer seguir como presidente licenciado até maio de 2018, enquanto Tasso não aceita mais permanecer como presidente interino.

 

Sessão. Deputados no plenário da Câmara durante a votação da denúncia contra o presidente Temer por corrupção passiva na Casa; tucanos se dividiram

 

Saída tucana

O governador Geraldo Alckmin voltou a dizer ontem que o PSDB deve deixar o governo após aprovação das reformas. O prazo-limite para que se consiga a aprovação, segundo ele, é de 45 dias.

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ANÁLISE

 

Temer vence a batalha, mas a guerra continua

Eliane Cantanhêde

03/08/2017

 

 

Nunca antes neste País um presidente da República em pleno mandato foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Nunca antes neste País a Câmara negou a autorização para o processo no Supremo Tribunal Federal. E nunca antes neste País os gramados do Congresso ficaram vazios durante uma votação tão importante.

Às 18 horas, a Polícia Legislativa identificava mais de 200 policiais militares e apenas 30 pessoas diante do Congresso e não mais do que 50 se movimentando a partir da rodoviária. “Nem cem manifestantes?!”, exclamava um experiente segurança, acostumado há décadas de grandes votações e grandes manifestações.

Foi assim que o presidente Michel Temer venceu sua mais importante batalha com três armas: emendas parlamentares, seu profundo conhecimento da Câmara, que já presidiu três vezes e, particularmente, o desinteresse da população. O “fora, Temer” não virou o “Rodrigo Maia já”.

Nem a CUT, a UNE, o MST e o MTST se animaram a alugar ônibus, providenciar quentinhas e encher a Esplanada de Niemeyer de gente, bonecos e faixas. Os protestos foram dos caminhoneiros, bem longe da capital da República. Será que o PT não queria de fato a queda de Temer? Muitos da esquerda acham que não.

Do outro lado, o PSDB foi lamentável desde o início da denúncia. Era governo, mas não era. Ia pular fora, mas não pulava. O presidente licenciado, Aécio Neves, era pró-Temer. O interino, Tasso Jereissati, contra Temer. A casa da Mãe Joana.

Temer venceu a principal batalha, mas a guerra continua. Sua intenção é dar um caráter de recomeço ao seu governo e isso inclui um pronunciamento pela TV e rádio, novas iniciativas parlamentares, tentar a reforma tributária. E... mudar a coligação de forças aliadas.

Se o PSDB conferiu um certo verniz ao início do governo, tudo indica que Temer tenha se cansado e dê uma guinada para o Centrão. Saem os tucanos indecisos e divididos, entra o Centrão, sua tropa de choque. Afinal, guerra é guerra e o procurador Rodrigo Janot está à espreita, com seus bambus e suas flechas.

No dia inteiro de sessões, a oposição empurrou a votação para o horário nobre das TVs, falou ao eleitorado e foi duríssima contra Temer e a reforma da Previdência. Mas os favoráveis a Temer foram cautelosos. Eles votaram “pela estabilidade” e “pela economia”, mas raros assumiram uma defesa explícita de Temer contra a denúncia. Conclusão: Temer venceu, mas nem por isso foi efetivamente absolvido.