Correio braziliense, n. 19762, 05/07/2017. Política, p. 4

 

No Senado, Aécio se diz vítima de trama ardilosa

Natália Lambert

05/07/2017

 

 

REPÚBLICA EM TRANSE » Na volta à Casa, após 46 dias afastado, parlamentar tucano reafirma sua inocência, dispara contra Joesley Batista e critica colegas

Depois de passar 46 dias afastado, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) voltou ao Senado, após decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello para que retomasse o mandato, na sexta-feira. Por cerca de 20 minutos, o parlamentar dirigiu-se ao plenário da Casa para agradecer o apoio recebido nas últimas semanas. Ele frisou ser inocente e se disse vítima de uma “trama ardilosa”.

“Não cometi crime algum! Não aceitei recursos de origem ilícita, não ofereci ou prometi vantagens indevidas a quem quer que fosse, tampouco atuei para obstruir a ação da Justiça, como me acusaram. Fui, sim, vítima de uma armadilha engendrada e executada por um criminoso confesso de mais de 200 crimes, cujas penas somadas ultrapassariam mais de 2 mil anos de cadeia”, comentou, em referência à gravação feita pelo empresário Joesley Batista, do grupo J & F, na qual Aécio pede e negocia a entrega de R$ 2 milhões.

Após ressaltar fatos da carreira política, Aécio voltou a dizer que pediu dinheiro a Joesley, mas que seria um negócio relacionado à venda de um apartamento. “Procurei, sim, esse cidadão, cuja face delinquente o Brasil ainda não conhecia, e, por meio de minha irmã, reitero, ofereci a ele a compra de um apartamento de propriedade de minha família e que já havia sido oferecido a pelo menos outros quatro empresários brasileiros. Essa venda, sim, me ajudaria a arcar com as novas despesas que passei a ter com advogados.”

O senador, entretanto, ressaltou que a proposta de empréstimo partiu de Joesley, que tinha intenções de envolvê-lo em sua armadilha. “Não houve, ressalto, envolvimento de dinheiro público e muito menos qualquer contrapartida, como as próprias gravações demonstram, e ficará cabalmente provado perante a Justiça”, acrescentou.

Ele aproveitou a oportunidade para elogiar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello e criticar a interferência entre os poderes. “Fui condenado previamente, sem nenhuma chance de defesa. Tentaram execrar-me junto à opinião pública”, afirmou. “Fui vítima da manipulação de alguns, da má-fé de muitos e, sobretudo, de julgamentos apressados, alguns feitos aqui mesmo nesta Casa por alguns poucos que parecem não se preocupar com a preservação dos direitos individuais e com o primado da nossa Constituição. Mas não carrego mágoas, não carrego ressentimentos.”

Clima

Esperado desde o início do dia, o discurso de Aécio demorou uns minutos para começar por causa de uma situação inusitada: o botão na Mesa Diretora que aciona a campainha de controle de tempo de fala dos senadores em plenário travou, soando o barulho ininterruptamente e impedindo-o de falar. A falha quebrou o clima de tensão, mas não serviu para disfarçar o constrangimento de alguns colegas.

Autor de um pedido de cassação do parlamentar mineiro no Conselho de Ética do Senado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) evitou, inclusive, estar no plenário durante o discurso. “Cumpri o meu dever e acho que o senador teve um comportamento que não condiz sequer com os milhões de brasileiros que depositaram nele a confiança no segundo turno das eleições de 2014. (...) Se ele foi engabelado por um criminoso, como diz, por que colocou uma pessoa de sua confiança, parentes, como interlocutores para receber R$ 2 milhões desse grande bandido?”, questionou.

Há uma reunião marcada no Conselho de Ética, amanhã, para analisar o recurso contra o arquivamento do pedido de cassação de Aécio, entretanto, o próprio autor do pedido acredita que a chance de aprová-lo é remota. “Ficaram claros os acordos estabelecidos entre PMDB e PSDB. Um é para não acatar denúncia contra o presidente da República e, outro, para o devido não acatamento do recurso”, comentou Randolfe.

Frase

“Fui vítima de uma armadilha engendrada e executada por um criminoso confesso de mais de 200 crimes, cujas penas somadas ultrapassariam mais de 2 mil anos de cadeia”

Aécio Neves, senador