O globo, n.30720 , 15/09/2017. PAÍS, p.9

ÔNUS - Janot atribui ataques ao combate da corrupção

CAROLINA BRÍGIDO

 

 

Procurador-geral diz, em discurso de despedida, que História vai revelar lado que cada um escolheu

 Em discurso de despedida no Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República disse ontem que sofreu todo tipo de ataque enquanto exerceu o cargo. No entanto, ele avalia que é natural esse tipo de reação, já que se dedicou a enfrentar a corrupção no país. Janot deixa a chefia do Ministério Público Federal no próximo domingo. Na segunda-feira, a subprocuradora da República Raquel Dodge assumirá o cargo pelo período de dois anos.
— Tenho sofrido nessa jornada, que não poucas vezes pareceu-me inglória, toda sorte de ataques. Resigno-me a meu destino porque, mesmo antes de começar, sabia exatamente que haveria um custo por enfrentar esse modelo político corrupto e produtor de corrupção, cimentado por anos de impunidade e descaso — afirmou.

Janot disse que esses ataques já estão “nos escombros do passado”, por estar de saída do cargo. E completou:

— As páginas da História certamente vão revelar o lado que cada um escolheu para travar sua batalha pessoal nesse processo.

No discurso, Janot elogiou a forma como o STF vem conduzindo os processos da Operação Lava-Jato.

— Não poderia me furtar a testemunhar publicamente a retidão dessa casa na condução do processo jurídico criminal mais complexo e delicado que o país já presenciou. Nos momentos mais cruciais do fenômeno que se convencionou chamar de Lava-Jato, o STF foi firme, respeitou as leis e a Constituição, mas não se acovardou sob a pseudoprudência ou a literalidade pedestre das normas em que facilmente se escondem a pusilanimidade e os interesses vis — afirmou.

 

GILMAR NÃO COMPARECEU

O procurador-geral também criticou o excesso de corrupção da classe política. Para ele, a atuação do tribunal é essencial para coibir essas práticas.

— O Brasil, tal qual um paciente submetido a um gravoso tratamento, convulsiona no processo curativo do combate à corrupção. Esta Corte tem desempenhado o papel de esteio da estabilidade institucional e democrática — declarou.

O ministro Gilmar Mendes, principal crítico do trabalho de Janot, não estava presente na sessão. A presidente do STF, Cármen Lúcia, fez breve discurso na sequência.

— É da democracia e da República a transitoriedade dos mandatos, dentro da perspectiva de que somos passageiros numa nação que é muito maior do que qualquer um de nós. Desejamos que Vossa Excelência tenha nessa nova fase perspectiva, realizações, e o Ministério Público continuará a cumprir a missão que é tão importante, que foi entregue pela Constituição de 1988 de uma forma muito especial — disse a ministra.

Apesar das constantes críticas de Gilmar Mendes, Janot disse que recebeu “generoso acolhimento” do STF e que assistiu a julgamentos históricos — entre eles, o que confirmou a legalidade da decisão do ministro Edson Fachin de homologar sozinho o acordo de delação premiada firmado com a JBS.

— Tive a honra de ver consolidado o poder investigatório do Ministério Público e de presenciar corajoso golpe desferido por este colegiado contra a crônica impunidade que castiga impiedosamente nossa sociedade, quando essa Corte definiu que a condenação em segunda instância viabiliza, sim, a execução provisória da pena. Igual satisfação tive em ver consolidado e fortalecido por esta Corte o poderoso instrumento de combate ao crime organizado, o instituto da colaboração premiada — citou.

Na saída do STF, Janot deu uma breve entrevista, dizendo que “jamais” cometeu abuso de autoridade:

— Dei neste período o meu melhor, fiz aquilo que achei que fosse o melhor para o desenvolvimento da sociedade brasileira, para o desenvolvimento do processo civilizatório do Brasil e espero que assim continue.

“O Brasil, tal qual um paciente submetido a um gravoso tratamento, convulsiona no processo curativo do combate à corrupção” Rodrigo Janot Procurador-geral da República