Título: Agências reguladoras: basta vigiar e punir?
Autor: Marques Neto, Floriano de Azevedo
Fonte: Correio Braziliense, 27/02/2012, Opinião, p. 11
Professor Associado da Faculdade de Direito da USP, é presidente da Associacion Iberoamericana de Regulación
São assustadores os valores das multas aplicadas pelas agências reguladoras. Entre 2008 e 2010, só a Anatel aplicou mais de R$ 5,8 bilhões; a Aneel, quase R$ 1 bilhão. Desses valores só parcela ínfima é efetivamente arrecadada. As teles pagaram menos de 5%, as elétricas pouco mais de 10%. O senso comum apontaria para a impunidade das agências e a ineficiência do Judiciário.
Proponho outra explicação. Nos últimos anos, as agências aumentaram a quantidade e o valor das multas aplicadas. Não necessariamente porque os serviços públicos tenham decaído em qualidade. Embora longe da perfeição, a qualidade vem melhorando, inclusive pela pressão dos consumidores e dos órgãos de defesa.
O incremento das multas se deve a desvio regulatório. As agências, nos últimos anos, deslocaram o foco da regulação preventiva e prudencial para as atividades de fiscalização e sanção. Saudavelmente pressionadas pela sociedade, órgãos de controle e imprensa, muitas agências buscam se legitimar pelo mecanismo fácil da punição. Na Anatel, ficou tristemente célebre um dirigente que, no fim das reuniões do conselho, fazia a soma de multas aplicadas e comemorava cada novo recorde.
Porém uma agência que pune muito, na verdade não está cumprindo seu papel. É doente uma sociedade que tem de encarcerar muita gente. Da mesma forma, não é saudável um setor regulador em que predomina a função sancionatória. Se há muito que punir, é porque a regulação falhou e o setor funciona mal.
A prática de aplicar multas exorbitantes com caráter exemplar é negativa por várias razões. Leva o regulador a acreditar que cumpre seu papel punindo, quando na verdade o bom regulador é o que previne a falta. Gera uma crise de confiança entre regulados e usuários. Acarreta desproporcionalidade nas sanções e vícios legais, pois, para punir mais e rápido, regras são atropeladas. Disso vem o aumento do questionamento das punições, sobrecarregando o Judiciário. Resultado: quase todas as multas são contestadas e deixam de ser recolhidas. Logo, resta um regulador desacreditado e ineficaz.
Mesmo que as multas fossem integralmente recolhidas, não seria positivo. A sanha punitiva das agências transforma o poder de sanção em mecanismo de arrecadação, não de correção de falhas. Imaginemos que as teles recolhessem já, de uma vez, os quase R$ 6 bilhões que supostamente devem. As contas públicas agradeceriam, mas os recursos sangrariam a capacidade de elas investirem em mais e melhores serviços para os consumidores.
Sanções exageradas podem ensejar aumento dos preços nos serviços não tarifados. É duvidosa a eficiência das multas para corrigir condutas das empresas. A pena pode até cumprir papel corretivo, mas a experiência demonstra que maior punição não basta para dissuadir condutas infratoras. Para ficar num só exemplo, as multas de trânsito aumentaram em número e valor, mas a imprudência só faz crescer. Porém é certo que retirar bilhões das empresas não ajuda a melhorar a qualidade.
Não é possível uma boa regulação sem que a agência disponha da prerrogativa de punir. Contudo a sanção deve ser o último recurso do bom regulador. Regulamentar bem os serviços, monitorar permanentemente o desempenho das empresas, melhorar os canais com os consumidores, fomentar e exigir os investimentos necessários, tudo isso precede e supera em resultados a punição desenfreada.
Há mecanismos mais modernos e eficientes para tornar a regulação efetiva. As agências devem buscar mais e mais mecanismos alternativos às sanções. Como ocorre no direito penal com as penas alternativas, e no Ministério Público com os termos de ajustamento de conduta, seria muito mais producente se as agências recorrerem a mecanismos substitutivos de sanção, sem caráter arrecadatório.
Em vez de multar, comprometer a empresa a reparar sua falta, investir em melhorias e evitar a repetição da má conduta. Várias agências têm usado os acordos substitutivos com sucesso para ressarcir diretamente consumidores, com descontos ou franquias de serviços. Ou então para comprometer empresas a fazer investimentos que não sejam obrigatórios, mas que assegurem reduzir ou evitar falhas.
A razão de ser da regulação é assegurar as melhores condições de fruição de um serviço pelos usuários, presentes e futuros. Encher os cofres da União com bilhões que poderiam ser aplicados no interesse dos consumidores é desvio de finalidade do regulador. Como ensinam os pedagogos, melhor do que o castigo é a ação que evita o desvio.