De repente, com os olhos no Planalto

Paulo de Tarso Lyra

09/07/2017

 

 

Há cerca de dois meses, quando o governo de Michel Temer começou a arder na chapa da crise da JBS e a possibilidade de uma eleição indireta para eleger o sucessor do peemedebista começou a ser ventilada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), era somente um dos nomes veiculados como pré-candidato. Justiça seja feita, com menos destaque que outros postulantes, como o senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes. Hoje, o governo segue crepitando nas labaredas, e Maia emerge como um consenso de um possível pós-Temer.

Segundo especialistas de mercado e políticos ouvidos pelo Correio, o presidente da Câmara se tornou a alternativa natural após os principais agentes do país perceberem que Temer perdeu o controle do Congresso. Essa percepção materializou-se na semana passada, quando a denúncia por corrupção passiva feita pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ). E agravou-se quando o presidente da CCJ, o deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), escolheu como relator Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) — do mesmo partido de Temer, mas de uma ala mais independente e ligado, justamente, a Maia.

“Que o atual governo não tinha qualquer popularidade, todos sabíamos, mas Temer sempre se sustentou com o discurso de que conseguia ter ascendência sobre o Congresso, pelo fato de ter sido três vezes presidente da Câmara. Quando esse discurso ruiu, o castelo desabou junto”, afirma um tucano defensor do desembarque do governo. Os sinais que se seguiram só pioraram a percepção externa.

Por razões divergentes dos tucanos, o PT da Câmara também passou a trabalhar para levar Maia ao lugar de Temer. Primeiro, por considerarem o atual titular do Planalto golpista. Mais importante do que isso, contudo, é a análise de que, se derem sustentáculo para a ascensão do demista ao Planalto, poderiam voltar a ter espaço de articulação na Casa, mesmo que sem a possibilidade de ocupar cargos na Mesa Diretora. O trio a frente desse processo é formado pelo ex-presidente da Casa Arlindo Chinaglia, por José Mentor e por Vicente Cândido. Eles estão ao lado de Maia desde que ele disputou a presidência da Câmara, em agosto, contra Rogério Rosso (PSD-DF), representante do Centrão.

Em documento distribuído aos clientes, o setor de análise politíca da XP Investimentos foi enfático. “A escolha de Zveiter para relator na CCJ foi um grande ponto de virada. A interpretação é de que Maia, que se aquecia do lado de fora do campo, está pronto para jogar. O próximo passo seria criar as condições e levantar a placa para substituição. Não foi por acaso que Rodrigo Pacheco, presidente da CCJ, pactuou um rito que dará a palavra a quase 150 parlamentares”, avaliou o banco, em uma alusão ao fato de o peemedebista mineiro ter dado direito à voz aos 66 titulares e 66 suplentes da comissão, além de outros 40 deputados — 20 favoráveis à aprovação da denúncia e 20 contrários.

 

Calma

O cientista político da Arko Advice Cristiano Noronha prefere manter a cautela. Lembra que Temer é hábil e respeitado no Parlamento e, além disso, os adversários dele precisam colocar 342 votos em plenário para que a abertura das investigações seja autorizada. “Não é pouca coisa, mesmo em um cenário de crise.” Ele reconhece, no entanto, que a cristalização do nome de Maia veio como um processo natural. “As pessoas perceberam que ele seria o sucessor direto, previsto pela Constituição Federal, tornando desnecessárias disputas pelo posto”, lembra.

Quando a crise estourou, o processo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para analisar a possibilidade da cassação da chapa Dilma-Temer ainda não havia sido julgado. E alguns defendiam que Temer renunciasse caso a temperatura política aumentasse em demasia. A chapa foi absolvida e Temer repetiu, mais de uma vez, que não abrirá mão do cargo. “O Congresso está fazendo o que o TSE deveria ter feito há dois anos, quando o PSDB denunciou que a chapa deveria ser cassada por abuso do poder econômico”, critica um cacique tucano.

“Ninguém vai cobrar que, em apenas um ano de mandato, ele consiga resolver os problemas da economia. Maia não é o presidente dos sonhos de ninguém. Mas tem condições, ao menos, de virarmos a página de delações, de JBS e de petrolão e retomar o debate de propostas”, acredita um analista de mercado. E, após outubro do ano que vem, Maia teria, talvez, condições de sonhar com uma eleição direta para presidente. “Estando na cadeira, todo mundo tem condições de sonhar. Ele ocupa hoje um nicho no qual só tinha o João Doria, prefeito de São Paulo, de alguém liberal do ponto de vista econômico, que foge do discurso de extrema-direta de Jair Bolsonaro e de esquerda de Lula”, projeta um aliado do presidente da Câmara.

 

Frase

“As pessoas perceberam que ele seria o sucessor direto, previsto pela Constituição Federal, tornando desnecessárias disputas pelo posto”

Cristiano Noronha,cientista político

 

 

 

Correio braziliense, n. 19766, 09/07/2017. Política, p. 2.