Leonardo Cavalcanti - Nas entrelinhas

09/07/2017

 

 

A caverna e as bolhas políticas

A grande sacada de acadêmicos e especialistas em redes sociais é atualizar termos antigos, dando uma nova roupagem a algo discutido à exaustão ao longo do tempo. Pegue-se, por exemplo, a tal da pós-verdade, em que acontecimentos reais são menos importantes do que as interpretações. O neologismo pode ser resumido como a velha mentira bem contada, em que o autor do embuste se aproveita das crenças e da ausência de ceticismo do público.

O mesmo ocorre com o “filtro-bolha”, no qual os internautas, ao buscarem informações, apenas reforçam convicções e interesses pessoais. A retroalimentação ocorre a partir de uma “edição invisível e algorítmica”, mas o processo pode até ser mais simples, quando um amigo das redes sociais é excluído, de maneira consciente, por emitir opiniões políticas contrárias. Isso quando os “conhecidos” — às vezes até parentes — não chegam às vias de fato.

O “filtro-bolha” nada mais é do que uma variação da alegoria da caverna de Platão. Como se sabe, e correndo todos os riscos de reduções indevidas, o mito conta a história de homens que nasceram e cresceram acorrentados, virados para a parede onde sombras vindas do exterior eram projetadas por uma fogueira. Um dia, um deles consegue escapar, vê a luz e a “verdade”. Mas, ao voltar à caverna para contar sobre o exterior, é proscrito e, depois, morto pelos ex-companheiros. De forma geral, a atual política se enquadra na alegoria em vários aspectos. A classe política e os seus defensores partidários não percebem que precisam mudar e, estupidamente, tentam expurgar o arauto que expõe a falência do atual modelo.

 

Tendências

Coxinhas e mortadelas abriram guerra entre eles, mas também afugentaram gente que tentava observar o cenário de forma mais nítida, distante das sombras. A falta de reconhecimento dos erros pode ser vista no PT e no PSDB. E os grupos continuam a se movimentar na política como se nada tivesse acontecido. Se em algum momento alguém tentar questionar os partidários — ou mesmo passar qualquer tipo de informação do mundo real —, a sorte é ser trucidado.

A queda de Dilma Rousseff, mesmo anunciada, não foi sentida pela maioria dos petistas, que apenas despertaram para a tragédia no dia da votação do impeachment. Era tarde demais. O mesmo ocorre com a turma do presidente Michel Temer. Os movimentos de Rodrigo Maia ao longo dos últimos 45 dias passaram despercebidos pelo Palácio do Planalto, apesar de haver informação suficiente para prever o resultado. Assim, para surpresa dos peemedebistas, de uma hora para outra, o presidente da Câmara se materializou como substituto imediato de Temer. Mais uma vez, um grupo palaciano foi surpreendido.

 

“Fidelidade”

O presidente da Câmara jura fidelidade, mas é cada vez mais claro que Temer perde espaço desde 17 de maio, quando veio à tona a delação de Joesley Batista. O caldo apenas engrossou ao longo dos dias, quando o peemedebista perdeu força no Congresso. Mas, na cabeça dos conselheiros de Temer, faltava um nome para substituí-lo. Sem isso — e com as eleições diretas sendo uma mera especulação dos oposicionistas —, seria impossível vislumbrar a queda. Além disso, as suspeitas sobre Maia em dois inquéritos na Lava-Jato pareciam inviabilizá-lo na linha sucessória.

Há um detalhe: o cálculo daqueles que começaram a perceber Maia como substituto de Temer é um pouco mais pragmático. É improvável — na cabeça desse pessoal — que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, depois de derrotar o peemedebista, parta para cima de Maia. “Isso não existe, pois Janot sai em setembro e não teria tempo de avançar na investigação contra Maia, e, mesmo que tivesse, o procurador-geral sabe que seria questionado por tentar destruir o mundo político e toda a linha sucessória da Presidência”, disse-me um político mais atento, que despertou para a queda de Temer mais cedo do que o Planalto. A troca parece mais do que inevitável. O país, entretanto, continuará por muito mais tempo nas sombras.

 

 

Correio braziliense, n. 19766, 09/07/2017. Política, p. 3.