Título: Minha casa, meu problema
Autor: Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 27/02/2012, Cidades, p. 19

menos de dois anos, imóveis por meio de programa do governo federal no município goiano de Padre Bernardo

Rubens Pereira da Silva mal acreditou quando recebeu, há seis meses, a chave da casa própria, no Condomínio Ouro Verde, em Padre Bernardo (GO), município distante 100km de Brasília. Após três décadas de aluguel, ele pensou finalmente ter encontrado a paz e a segurança de morar em um imóvel próprio. Depois de entrar com a família na casa, no entanto, o autônomo de 51 anos passou a colecionar problemas. A residência tem desde infiltrações a rachaduras que comprometem a estrutura do local. O pior é que ele não é o único a sofrer com o problema na região. Dezenas de moradores do parcelamento também reclamam do descaso das construtoras responsáveis por erguer as moradias.

Os imóveis mais antigos do condomínio têm menos de dois anos e foram financiados pela Caixa Econômica Federal (CEF) por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. Das cerca de 500 edificações do lugar, é difícil encontrar alguma que não tenha sido entregue com defeito. O Correio visitou várias delas e, com ajuda de um engenheiro, constatou que, se nada for feito para corrigir os problemas, algumas podem desmoronar com o passar dos anos.

Na casa de 50m² de Seu Rubens, a parede da sala balança. Uma rachadura de dois metros faz com que ele, os dois filhos e a esposa não durmam direito. "A gente deita e ouve a parede estalar. Já imaginou se cair na cabeça de um dos meus filhos dormindo?", questiona.

Um passeio pelos outros cômodos revela a falta de capricho no acabamento. No banheiro, a pia só não caiu porque foi escorada. Nos dois quartos, o mofo tomou conta das paredes. A série de irregularidades levou o agitado Rubens a ter um derrame, que o fez perder parte da visão. "Depois de tanto me estressar com essa casa, quase morri", desabafa.

Risco A copeira Carolina Dias da Cunha, 25 anos, vizinha de Rubens, é outra moradora do Condomínio Ouro Verde indignada com a situação da casa, financiada em 20 anos. O chão da sala e de um dos quartos é permanentemente coberto pela areia que cai das paredes. Carolina explica que a dor de cabeça começou há pouco mais de três meses, quando o mofo tomou conta da casa. Para tentar contornar o problema, a jovem aplicou uma textura, mas o trabalho não surtiu efeito.

Carolina reclamou junto à construtura, a FC Construções, que raspou o local e, até o fechamento desta edição, não havia retornado à residência da copeira para concluir a pintura. "Eles vieram aqui, rasparam a parede — que agora está esfarelando —, mas não resolveram o problema do mofo nem voltaram para pintar. Minha filha tem alergia e sofre muito", reclama.

Na Quadra 55, mais revolta. A diarista Luzimar Alves dos Reis, 47 anos, teme que algo de pior aconteça na residência. "Pagamos uma prestação de quase R$ 400. Pesa muito no bolso". Há um mês, a caixa d"água estourou e todos os cômodos ficaram alagados. Sanado esse problema, um outro surgiu logo em seguida: com o período chuvoso, começaram a aparecer infiltrações por todos os cantos, comprometendo a frágil fiação elétrica.

Um curto-circuito fez o computador e o chuveiro queimarem, além de provocar um princípio de incêndio. Algo pior só não ocorreu porque Luzimar conseguiu debelar os primeiros focos, que ameaçavam se espalhar. "Nós tiramos R$ 400 todo mês para morar numa casa que dá mais problema que solução. Só não está pior porque vamos dando um jeitinho. Se deixar por conta deles (construtora), cai nas nossas cabeças."

Lixo Além de casas mal feitas, os moradores do Condomínio Ouro Verde também sofrem com a falta de infraestrutura no parcelamento. Há reclamações recorrentes de falta de água e luz. Algumas residências chegam a ficar até quatro dias sem os serviços. O lixo espalhado por todas as ruas revela o deficiente sistema de coleta. Além disso, o asfalto chegou a poucas quadras do parcelamento.

Para saber mais Impulso federal

O programa Minha Casa, Minha Vida tem linhas de financiamentos diferentes para cada tipo de família, de acordo com a faixa salarial. A maior parte dos recursos do programa vai para quem ganha até R$ 1.395 por mês. O valor mínimo das parcelas é de R$ 50,00 para construção ou compra de casas novas ou usadas. A aquisição do imóvel pode ser feita sem entrada e recursos do FGTS podem ser usados no financiamento. Quem analisa os projetos é a Caixa Econômica Federal. A meta do governo federal é construir, até 2014, 2 milhões de moradias, sendo que 500 mil serão construídas este ano.