Título: Enrolados pela Pandora
Autor: Gama, Júnia ; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 20/02/2012, Política, p. 2/3
A extensão do impacto da Lei da Ficha Limpa no Distrito Federal deve ser bem maior do que a visível até agora. Políticos com tradição na disputa eleitoral, como o ex-governador Joaquim Roriz (PSC), ficaram automaticamente impedidos de voltar a concorrer com a declaração de constitucionalidade da regra, na semana passada, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas a legislação pode tirar do páreo outros possíveis candidatos, a depender do julgamento de ações criminais, eleitorais e de improbidade administrativa a que respondem na Justiça. Em situação de risco, estão, por exemplo, todos os envolvidos no escândalo da Operação Caixa de Pandora.
Na semana passada, ao saber da decisão do STF, Roriz divulgou uma nota em que a considerou "injusta e violentadora". Ele foi banido das urnas até 2023 e só poderá se candidatar a um novo mandato de governador em 2024. A Lei da Ficha Limpa pode causar um estrago ainda maior nas pretensões políticas do ex-governador, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue procedente a ação por peculato contra a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), ajuizada em agosto de 2011 pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Filha e possível herdeira política de Roriz, Jaqueline é acusada de receber R$ 100 mil e aparelhos Nextel do delator da Operação Caixa de Pandora, Durval Barbosa. Pelo menos um dos encontros foi registrado em vídeo que consta do processo sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa.
Se o STF condenar Jaqueline, ela ficará impedida de concorrer a cargos eletivos no período de oito anos após o cumprimento da decisão. De acordo com o Código Penal, a pena prevista para peculato varia de dois a 12 anos de reclusão. Esse revés representaria outra derrota para o clã Roriz. O ex-governador, que tem um espólio de cerca de 30% do eleitorado, não pretende se ausentar da vida pública, conforme deixou claro na semana passada ao anunciar que vai apoiar alguém de seu grupo político em 2014.
Mensalão do DEM A denúncia principal da Pandora, que envolve o suposto Mensalão do DEM, ainda não foi concluída, mas o ex-governador José Roberto Arruda (sem partido) já é alvo de duas ações penais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) relacionadas ao episódio que, em caso de julgamento desfavorável, podem deixá-lo de fora das próximas eleições. Ele responde por crime contra a fé pública e obstrução da investigação. Deve, ainda, ser incluído na ação que a Procuradoria-Geral da República prepara sobre o suposto esquema de desvios de recursos de contratos do governo do DF.
Por enquanto, Arruda não tem qualquer impedimento legal para voltar a disputar cargos públicos. Ele não tem condenações em segundo grau ou órgão colegiado, previstas na Lei da Ficha Limpa como restrições para futuras candidaturas. A cassação do mandato dele, por infidelidade partidária, decretada há dois anos pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF), não é causa de inelegibilidade. Por isso, Arruda está numa situação mais confortável do que o ex-vice-governador Paulo Octávio (sem partido), que pode ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa por ter renunciado ao mandato em fevereiro de 2010, em meio à crise provocada pela Operação Caixa de Pandora, embora também não tenha nenhuma condenação em segunda instância. (Veja quadro)
Entre os investigados na Pandora, deputados e ex-distritais respondem a ações de improbidade administrativa que podem resultar em inelegibilidade, caso haja condenações em segunda instância no Tribunal de Justiça do DF. Estão nesta situação os deputados Rôney Nemer (PMDB), Benedito Domingos (PP) e Aylton Gomes (PR), além de Rogério Ulysses (sem partido) que não concorreu a novo mandato em 2010. O processo contra a ex-deputada Eurides Brito (PMDB), alvo de ação também pela suposta participação na Pandora, já está quase pronto para a sentença do juiz Álvaro Ciarlini, da 2ª Vara de Fazenda Pública.
Eurides já está inelegível até 2018 porque teve o mandato cassado pelos colegas no plenário da Câmara Legislativa. Mas uma sentença nesse caso, confirmada pelos desembargadores, pode ampliar o prazo de imposição para que Eurides permaneça fora da política. Mesmo desfecho poderá prejudicar eventuais planos políticos dos ex-deputados Leonardo Prudente e Júnior Brunelli, ambos sem partido.
Além da Pandora, o distrital Benedito Domingos tem ainda um problema a enfrentar. Em maio do ano passado, ele foi denunciado pela procuradora-geral de Justiça do DF, Eunice Carvalhido, pelos crime de formação de quadrilha, fraude em licitação e corrupção passiva em virtude da contratação por administrações regionais de empresas ligadas a familiares dele. O processo, sob a relatoria do desembargador Humberto Ulhôa, tramita no Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF. Presidente regional do PP, Benedito pode perder o direito de se candidatar novamente nas próximas eleições, caso os desembargadores julguem a ação procedente até 2014.
O que diz a lei: A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) estabelece na alínea "e" que ficam inelegíveis os políticos condenados em decisão transitada em julgado ou que tenha sido proferida por órgão judicial colegiado. A inelegibilidade conta desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena.
A lista dos inelegíveis
Joaquim Roriz (PSC) Por conta da renúncia ao mandato de senador em 2007, Roriz ficou impedido de concorrer a mandatos até 2023, ou seja, só poderá voltar a se candidatar no Distrito Federal na eleição seguinte, em 2024. Então senador, ele saiu de cena depois da divulgação de uma conversa captada por escuta da Operação Aquarela, que apurou um esquema de corrupção no Banco de Brasília (BRB). Roriz conversava com o então presidente do banco, Tarcísio Franklim, sobre a partilha de um cheque de R$ 2,2 milhões do empresário Nenê Constantino. Considerado suspeito, renunciou para evitar a abertura de processo por quebra de decoro no Senado. Devido ao episódio, Roriz já responde a uma ação de improbidade, na qual, se for condenado pelo Tribunal de Justiça do DF, poderá ter ampliada a pena de inelegibilidade. Ele também responde a outras ações penais e cíveis que podem complicar ainda mais seu quadro político.
Leonardo Prudente (sem partido) Ex-presidente da Câmara Legislativa, está inelegível até 2018 porque renunciou ao mandato em 2010 para escapar de processo de cassação. Tinha ambiciosas pretensões políticas e sonhava se candidatar ao governo do DF. Mas foi um dos mais atingidos pelo escândalo da Operação Caixa de Pandora. Aparece em dois vídeos. Num deles, guarda dinheiro de Durval Barbosa na meia. Evangélico, ele é um dos protagonistas da famosa "oração da propina", imagem em que reza com Durval. Está com os bens bloqueados e responde a ação de improbidade administrativa, na qual, caso seja condenado pelo Tribunal de Justiça do DF, pode permanecer ainda mais tempo fora de disputas políticas. Ainda deve ser um dos denunciados pela Procuradoria-Geral da República no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Júnior Brunelli (sem partido) Tinha pretensões de disputar o Senado em 2010, mas a Operação Caixa de Pandora o baniu da política pelo menos até 2018. Depois de aparecer em vídeo recebendo dinheiro de Durval Barbosa e rezando ao lado do homem que cobrava e distribuía propinas de contratos de informática, Brunelli renunciou ao mandato em 2010 para escapar da cassação. Assim como Prudente, poderá ficar inelegível mais tempo, caso seja condenado na ação de improbidade administrativa a que responde pela participação no escândalo da Pandora no Tribunal de Justiça do DF ou na futura denúncia a que deve responder no STJ.
Pedro Passos (PMDB) O peemedebista renunciou ao mandato de deputado distrital em 2007 depois de ser acusado de envolvimento num suposto esquema de favorecimento ao empresário Zuleido Veras, dono da construtora baiana Gautama, investigado durante a operação Navalha, da Polícia Federal. Por causa da renúncia, já estaria inelegível até 2018 e só poderia voltar a concorrer a partir de 2019. A situação se complica, no entanto, porque o ex-deputado responde a várias ações na Justiça e já foi condenado em segunda instância por improbidade administrativa, crime ambiental e parcelamento ilegal do solo.
Cristiano Araújo (PTB) Deputado distrital na segunda legislatura, foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) por abuso de poder econômico nas eleições de 2006. Cumpriu pena de inelegibilidade por três anos. De acordo com o texto da Lei da Ficha Limpa, um político nessas circunstâncias fica impedido de concorrer durante oito anos a contar do fim da pena. Nesse caso, então, até 2016. Mas é uma situação controversa. Os advogados do distrital, hoje secretário de Ciência e Tecnologia, alegam o princípio da intangibilidade, segundo o qual quem foi julgado e cumpriu pena antes de existir a lei não poderá ser atingido. Tema para debates nos tribunais.
Benício Tavares (PMDB) Único parlamentar que participou de todas as legislaturas desde a criação da Câmara Legislativa, Benício Tavares (PMDB) está inelegível até 2019. Dessa forma, só poderá concorrer no DF a partir de 2024. O peemedebista conseguiu se livrar de outros processos na Justiça, como a denúncia do Ministério Público de exploração sexual de menores na Amazônia, da qual foi absolvido, e pela prescrição da acusação de desvios de recursos da Associação dos Deficientes Físicos de Brasília. Sofreu, no entanto, uma condenação em 2011 por compra de votos e abuso de poder econômico nas eleições que lhe custou o mandato e um afastamento da política.
Paulo Octávio (sem partido) Pode ser enquadrado na alínea K da Lei da Ficha Limpa, a mesma que tornou Roriz inelegível, uma vez que renunciou ao mandato de vice-governador, em fevereiro de 2011, nos desdobramentos da Operação Caixa de Pandora. Ficaria, assim, sem condições de concorrer até 2018. Os advogados do empresário, no entanto, alegam que a lei não se refere à condição de vice-governador e Paulo Octávio, então, não estaria inelegível. Caso decida se candidatar, no entanto, terá de fazer essa tese prevalecer na Justiça Eleitoral.
Luiz Estevão (PMDB) O peemedebista teve o mandato cassado em 2000 e, em tese, poderia voltar a concorrer a cargos públicos a partir de 2015. O empresário, no entanto, sofreu condenações no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por vários crimes, em virtude do suposto envolvimento em desvios de recursos do Fórum Trabalhista de São Paulo, investigado pelo Ministério Público e pela CPI do Judiciário. Uma das condenações, que Estevão tenta reverter com recursos judiciais, lhe impõe uma pena de 31 anos de prisão. Pela Lei da Ficha Limpa, ele só poderia voltar a se candidatar num prazo de oito anos após o cumprimento da pena.