O Estado de São Paulo, n. 45220, 08/08/2017. Metrópole, p.A13

 

 

 

Justiça Federal suspende ação contra 22 pessoas pela tragédia de Mariana

Ambiente. Maior acidente ambiental da história do País deixou 19 mortos, soterrou distrito e contaminou Rio Doce; decisão do magistrado acolhe pedido da defesa, que alegou que denúncia tem como base escutas ilícitas. Procuradoria nega irregularidade

Por: Luiz Vassallo / Julia Affonso

 

Luiz Vassallo

Julia Affonso

 

A Justiça Federal de Ponte Nova, em Minas Gerais, suspendeu a ação criminal da maior tragédia ambiental do Brasil: o rompimento da barragem de Fundão, que provocou a morte de 19 pessoas e soterrou o distrito de Bento Rodrigues, na região de Mariana, em novembro de 2015. O juiz Jacques de Queiroz Ferreira acolheu pedido da defesa, que tenta anular o processo que torna réus 22 pessoas e as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR, alegando que a denúncia do Ministério Público tem como base provas obtidas de forma ilícita. O MP nega.

Os defensores do diretor-presidente licenciado da Samarco, Ricardo Vescovi, e do diretorgeral de Operações, Kleber Terra, argumentaram que os dados obtidos com base na quebra de sigilo telefônico “ultrapassaram o período judicialmente autorizado, tendo as conversas sido analisadas pela Polícia Federal e utilizadas pelo MPF na confecção da denúncia”. No total, 22 pessoas são citadas na ação.

“Acresceram que outra nulidade ocorreu quando da determinação dirigida à Samarco para que apresentasse cópias das mensagens instantâneas (chats) e dos e-mail enviados e recebidos entre 1/10/2015 e 30/11/2015, visto que a empresa forneceu dados não requisitados, relativos aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, que, da mesma forma, foram objeto de análise policial e consideradas na denúncia, desrespeitando a privacidade dos acusados”, narra o juiz. O Ministério Público Federal pediu esclarecimentos às companhias telefônicas sobre “os períodos de efetivo monitoramento de cada terminal”.

Além de causar a morte de 19 pessoas e soterrar a localidade de Bento Rodrigues, o rompimento da barragem provocou prejuízos a 40 municípios dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e contaminou a Bacia do Rio Doce.

 

Pedido. O magistrado aprovou o pedido de esclarecimentos solicitado pelo Ministério Público Federal, mas ponderou que “o andamento do feito deve ser suspenso até que a matéria seja decidida, haja vista que eventual acatamento das pretensões

poderá levar à anulação de todo o processo, tornando inúteis os atos eventualmente praticados”. Segundo a denúncia, mesmo conscientes de todos os riscos envolvidos na construção e na operação da barragem, “os denunciados optaram por uma política empresarial de priorização de resultados econômicos em detrimento de práticas de segurança para o meio ambiente e para as pessoas potencialmente afetadas, assumindo todos os riscos”.

Além do presidente afastado da Samarco, Ricardo Vescovi, e do diretor de Operações, Kleber Terra, respondem pela ação penal três gerentes operacionais e 11 integrantes do Conselho de Administração da Samarco, além de 5 representantes das empresas Vale e BHP Billiton na Governança da Samarco. O grupo responde a acusação de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar).

Essas 21 pessoas também são acusadas pelos crimes de inundação, desabamento e lesões corporais graves, todos com dolo eventual previstos pelo Código Penal. Foram ainda denunciados por crimes ambientais – os mesmos imputados às empresas Samarco, Vale e BHP Billiton Brasil.

As três empresas respondem por nove tipos de crimes contra o meio ambiente, entre eles contra a fauna e a flora, de poluição, contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural. Samarco e Vale são acusadas de três crimes contra a administração ambiental. No total, as três empresas, juntas, respondem por 12 tipos de crimes ambientais.

Já a VogBR Recursos Hídricos e Geotecnia e o engenheiro sênior da empresa, Samuel Santana Paes Loures, estão sendo acusados por apresentação de laudo ambiental falso, uma vez que emitiram laudo e declaração enganosa sobre a estabilidade da barragem. A Procuradoria em Minas ainda pediu reparação dos danos causados às vítimas.

As empresas BHP Billiton e Samarco afirmaram que não comentariam a decisão da justiça. A reportagem entrou em contato com a Vale e a VogBR e também não obteve retorno.

 

Indenização

R$ 155 bi

é o valor de uma ação de indenização movida contra as empresas, que deve ficar suspensa até outubro.

 

CRONOLOGIA

Denúncia foi aceita em 2016

5 de novembro de 2015

A barragem de rejeitos de minério de ferro da Samarco em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, se rompe, fazendo com um mar de lama cobrisse o local e regiões vizinhas. A lama deixa 19 pessoas mortas e não demora a atingir o Rio Doce. Os efeitos da tragédia se estendem a diversas cidades mineiras e capixabas banhadas por suas águas.

 

5 de fevereiro de 2016

Após buscas e apreensões no escritório da Samarco, a polícia anuncia que vai indiciar a cúpula da empresa pelos 19 homicídios que aconteceram durante a tragédia, ‘por não haver dúvidas sobre a responsabilidade dos diretores’.

 

20 de outubro de 2016

O MPF denuncia à Justiça 21 integrantes da cúpula da Samarco e conselheiros da empresa indicados pelas duas controladoras da mineradora, Vale e BHP Billiton, por homicídio qualificado com dolo eventual, além de engenheiro da Vogbr.

 

18 de novembro de 2016

A denúncia é aceita e a ação começa a tramitar.

 

 

 

 

Ativistas e famílias temem impunidade

Por: Marco Antônio Carvalho

A reação de ativistas e pessoas diretamente afetadas pela tragédia diante da suspensão do processo foi de indignação. Representantes de movimentos e integrantes de comissões se disseram surpresos com a medida judicial, que, para eles, demonstra impunidade em relação ao rompimento da barragem.

Integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, Joceli Andrioli disse que a Justiça trata o povo “como bobos”. “Estamos estarrecidos de ver essa completa inoperância da Justiça. Parece de fato que a tendência é se fazer vista grossa em relação a grandes empresas que cometeram o maior crime social e ambiental dos últimos tempos”, disse.

Andrioli sustentou que as provas do processo vão muito além das escutas e são suficientes para que os acusados sejam condenados. “Espero que a sensatez retorne a esse processo porque há necessidade de punição exemplar para que fatos semelhantes não voltem a acontecer no nosso País”, completou.

A posição foi compartilhada por Thiago Alves, integrante da comissão de atingidos de Barra Longa, segunda cidade a ser afetada pela lama da barragem. “Existe um sentimento coletivo de total descrença com a Justiça e a certeza da impunidade das mineradoras. O clima é de uma grande indignação”, disse. Alves disse que cobrará do Ministério Público Federal (MPF) medidas para tentar reverter a decisão. “O mínimo que esperamos é essa responsabilização.”/MARCO ANTÔNIO CARVALHO

 

 

 

 

 

 

MPF diz que não usou material em denúncia

Por: Leonardo Augusto

 

Leonardo Augusto

ESPECIAL PARA O ESTADO

BELO HORIZONTE

 

O Ministério Público Federal (MPF) em Minas negou que as interceptações telefônicas realizadas durante a investigação sobre o rompimento da barragem da Samarco em Mariana tenham ocorrido fora do prazo estabelecido pela Justiça. “Na verdade, as interceptações indicadas pela defesa como supostamente ilegais sequer foram utilizadas na denúncia, por isso, não teriam o condão de causar nulidade na ação penal.”

A Procuradoria disse ainda que “mesmo assim, respeitando o direito de defesa, o MPF concordou em esclarecer a questão e pediu, como mostra a decisão, que fossem oficiadas as companhias telefônicas para que esclareçam os períodos de efetivo monitoramento de cada terminal”. A PF, que também analisou as escutas, disse que “até o presente momento, não foi, oficialmente, comunicada sobre o fato pela Justiça”.

Em 17 de fevereiro, os delegados da Polícia Federal Alexandre Leão, chefe da delegacia regional de combate ao crime organizado, e Roger de Lima Moura, chefe do inquérito que investigou o rompimento da barragem, afirmaram ao Estado desconfiar de que a Samarco vinha tentando esconder informações. Os delegados disseram ainda que já haviam sido constatadas divergências nos depoimentos de representantes da empresa, sobretudo em relação ao número de piezômetros, que são equipamentos utilizados para medir a pressão de líquidos dentro de estruturas – no caso específico, na barragem de Fundão.

 

Ai, ai, ai. A troca de mensagens entre diretores da Samarco, que estavam em aparelhos eletrônicos apreendidos pela PF, mostraram também que a cúpula da mineradora não só foi informada de problemas com a represa como articulava estratégia para lidar com a precariedade da estrutura. Nas conversas, Vescovi, ao saber de trincas na estrutura, em agosto de 2014 diz: “O quê? Ai, ai, ai”.

As conversas foram obtidas pelos delegados em busca e apreensão nas plantas da Samarco nas cidades de Mariana (MG) e Anchieta (ES). No caso, o interlocutor, Kleber Terra, ex-diretor de Operações da Samarco também acusado, afirma ao chefe que a situação estava sob controle. A defesa de Vescovi e Terra foi a que conseguiu na Justiça a suspensão da ação criminal em Ponte Nova.