Moro condena Lula, mas não pede a prisão

Renato Souza e Bernardo Bittar

13/07/2017

 

 

O petista Luiz Inácio Lula da Silva se tornou o primeiro político a chefiar o país a ser condenado em um processo criminal. Poucos minutos depois das 14h de ontem, foi revelada a sentença do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, que estabeleceu uma pena de nove anos e meio para o ex-presidente pelo crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Lula, que governou o país por oito anos, ao longo de dois mandatos, e conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, será julgado em segunda instância por ser dono de um tríplex no Guarujá, em São Paulo, supostamente fruto de proprina. No meio político, a condenação teve ampla repercussão, gerando manifestações de apoio ao ex-presidente e de aprovação ao trabalho da Justiça.

Na sentença, o magistrado admite que Lula responda ao processo em liberdade. No entanto, uma eventual condenação em segunda instância pode levar o ex-presidente para a cadeia. A investigação da Polícia Federal no âmbito da operação Lava-Jato apontou que Lula recebeu propina da OAS por meio do apartamento no litoral paulista. Ele ainda é réu em mais quatro ações penais. Na Justiça Federal de Brasília, o político responde por obstrução de Justiça, acusado de tentar atrapalhar um acordo de delação premiada de Nestor Cerveró.

Além disso, o petista é investigado em mais quatro inquéritos da Lava-Jato. Um deles é por obstrução de Justiça, por conta de sua indicação para o cargo de ministro da Casa Civil. A nomeação dele ocorreu em março de 2016, por decisão da ex-presidente Dilma Rousseff. A suspeita é que a decisão teve o objetivo de impedir a eventual prisão do acusado e dificultar o trabalho dos investigadores. Na denúncia, o Ministério Público apontou Lula como o chefe do esquema de corrupção que desviou dinheiro da Petrobras. Os procuradores disseram que o ex-presidente “criou um complexo esquema de corrupção, de lavagem de dinheiro e de pagamento de propina para favorecer empresários e políticos com desvios da Petrobras”.

Moro destacou que Lula tentou interferir no trabalho dos procuradores, motivando uma ordem de prisão preventiva. No entanto, decidiu por manter a liberdade do político. “Aliando esse comportamento com os episódios de orientação a terceiros para destruição de provas, até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”, destaca o magistrado na sentença.

Além do ex-presidente, outros dois réus foram condenados no mesmo processo. O empreiteiro Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, foi condenado por corrupção ativa e lavagem de dinheiro a 10 anos e 8 meses de prisão no caso do tríplex. Já o réu Agenor Magalhães Medeiros, ex-executivo da empreiteira, foi condenado pelo crime de corrupção ativa a 6 anos de prisão. Em nota, a defesa do ex-presidente Lula afirmou que essa é uma decisão “politicamente motivada”. Os advogados do ex-presidente afirmaram que o magistrado cometeu erros em sua avaliação (leia ao lado).

 

O apartamento

O apartamento que Lula teria recebido como propina fica no Edifício Solaris, no Guarujá, em São Paulo. Antes de ser assumido pela OAS, o imóvel pertencia à cooperativa de crédito do Sindicato dos Bancários de São Paulo, a Bancoop, que decretou falência em 2010. A defesa de Lula admitiu em audiência que a ex-primeira-dama Marisa Letícia tinha a intenção de comprar uma cota do empreendimento. No entanto, teria desistido assim que a Bancoop faliu e a OAS assumiu a reforma. De acordo com a denúncia do Ministério Público, Lula teria recebido R$ 2,76 milhões com o imóvel. Esse valor leva em conta o que a família de Lula tinha pagado pelo tríplex e as reformas realizadas nele pela empreiteira.

 

Reações

A decisão de Moro virou o principal assunto entre políticos. Dilma enviou nota à imprensa repudianto a decisão: “A condenação de Lula, sem provas, a nove anos e seis meses de prisão, é um escárnio. Uma flagrante injustiça e um absurdo jurídico que envergonham o Brasil. Lula é inocente e essa condenação fere profundamente a democracia. Sem provas, cumprem o roteiro pautado por setores da grande imprensa”.

O líder do DEM no Senado, senador Ronaldo Caiado (GO), afirmou que a condenação do ex-presidente é uma demonstração de que a lei está sendo aplicada a quem quer que seja. Segundo o senador, Moro deu um bom exemplo ao condenar o petista. “A sociedade brasileira vê hoje a Justiça sendo aplicada a quem já foi presidente da República, a mais alta instituição do país.”

 

 

Correio braziliense, n. 19770, 13/07/2017. Política, p. 2.