Dodge confirmada na PGR

Natália Lambert e Simone Kafruni

13/07/2017

 

 

A indicação de Raquel Dodge para o cargo de procuradora-geral da República foi aprovada ontem, por 74 votos a 1, com uma abstenção, no plenário do Senado Federal. “Nunca houve, nessa casa, um quórum tão alto para aprovação de um nome”, destacou o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Na sabatina, que durou quase sete horas, Raquel Dodge conseguiu uma inédita unanimidade, de 27 votos a zero, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Primeira mulher a ocupar a Procuradoria-Geral da República (PGR), Raquel Dodge se manteve firme e serena ao responder a questionamentos sobre vários temas, principalmente sobre a continuidade da ação do Ministério Público Federal no combate à corrupção.

Cercada por 27 senadores, um terço deles investigados no âmbito da Operação Lava-Jato, não por acaso, Raquel Dodge foi, insistentemente, indagada sobre os limites dos acordos de delação premiada, a “execração pública” das conduções coercitivas, o uso de escutas telefônicas como provas e o vazamento das investigações para a imprensa.

A sabatinada garantiu que o Ministério Público Federal (MPF) continuará tendo como prioridade o combate à corrupção e a proteção do interesse público. “A corrupção desvia dinheiro público de serviços essenciais, como saúde, educação, energia, transportes. Eleva o custo Brasil, encarecendo moradia, alimentos e vestuário. Também diminui a competitividade e aumenta o fosso da desigualdade social no país”, justificou.

A subprocuradora ressaltou, ainda, que o próprio Congresso Nacional deu abertura para a utilização do expediente da colaboração premiada. Com muita tranquilidade, Raquel assegurou, por diversas vezes, que vai sempre considerar o devido processo legal em suas decisões como procuradora-geral da República.

“Apresento-me ao Senado como uma entre centenas de devotados membros do Ministério Público brasileiro, disposta a continuar a servir ao público e a realizar, com temperança e serenidade, um projeto de trabalho em que ninguém esteja acima da lei e ninguém esteja abaixo da lei”, acrescentou.

Com uma postura sóbria, Raquel sensibilizou a maioria dos senadores, que ressaltaram isso em suas exposições. Ela explicou que o foco do seu trabalho será na preservação da dignidade humana.

Sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do qual, ao tomar posse, será presidente, Raquel afirmou que pretende fazer sessões mais curtas e temáticas para que as investigações contra procuradores também sejam pautadas e avaliadas.

Durante a explanação inicial, a subprocuradora falou um pouco sobre a sua trajetória no Ministério Público Federal e o quanto o Brasil mudou “para melhor” desde que entrou no órgão em 1987. “Ao longo dos anos, o Ministério Público aproximou-se do cidadão e abriu as portas. É nosso dever conhecer os problemas da população e atuar para resolvê-los”, afirmou.

O relator da indicação, senador Paulo Roberto Rocha (PSB-MA), disse ter ficado impressionado com a desenvoltura de Raquel Dodge. “Ela respondeu a todas as perguntas dos senadores sem, em nenhum momento, recorrer a assessores ou qualquer código”, assinalou.

A substituta de Rodrigo Janot na PGR também não se dobrou às suspeitas de ter alguma relação com o presidente Michel Temer porque seu nome foi o escolhido mesmo sendo o segundo na lista tríplice apresentada pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR). O presidente da entidade, José Robalinho, comentou que o desempenho da aprovação de Raquel mostra a competência do seu projeto de trabalho e o reconhecimento do processo de escolha, com a legitimidade da lista tríplice, escolha do presidente e depois a sabatina do Senado. “Estamos satisfeitos porque foi uma confirmação do processo institucional. Até onde me lembro, nunca houve unanimidade na CCJ. Ela teve apenas um voto contrário no plenário, com um quórum absolutamente altíssimo, o que não é comum”, alertou.

Robalinho ressaltou que os três escolhidos da lista tinham experiência e disseram que manteriam a Operação Lava-Jato. “A classe política como um todo acabou compreendendo que a questão da Lava-Jato é institucional, assim como o trabalho do MPF. Mas Raquel foi muito clara ao dizer que vai convidar as equipes da Lava-Jato a continuarem os trabalhos. Obviamente, ela tem um estilo gerencial de cobrar resultados e vai dar o seu padrão para melhorar ainda mais o trabalho de Rodrigo Janot”, destacou.

 

Fala, Raquel

Confira um resumo dos principais temas levados à subprocuradora-geral da República Raquel Dodge durante a sabatina na CCJ:

 

Prioridades que terá no cargo

Resumi numa diretriz que terá minha atuação com mais enfoque: a ideia de que ninguém esteja acima da lei e de que ninguém esteja abaixo da lei.

 

Atuação no combate à corrupção

A Operação Lava-Jato e todas as outras operações a ela associadas mostraram ao país que, com a legislação que temos, é possível entregar prestação jurisdicional com resultados e de forma célere. É preciso manter essa atuação e essa pauta de trabalho até que a corrupção realmente ceda espaço à gestão honesta dos recursos públicos.

 

Lava-Jato

A condução dos trabalhos será com base na prova, com base na lei, de forma serena, tranquila, para preservarmos aquilo que a Constituição assegura para todos, inclusive para os investigados, que é a proteção contra o aviltamento da dignidade da pessoa humana.

 

Delação premiada

O Congresso regulamentou, estabelecendo requisitos, vedações, condições para o bom emprego, impondo, por exemplo, o sigilo até que a linha de investigação esteja concluída e que ela não possa ser aplicada em favor de líderes de organizações criminosas. E são nesses limites que nós devemos utilizar esse instrumento, nos limites delineados na lei. A lei cria um instituto poderoso que se aplica, notadamente, para a investigação do crime de organização criminosa. E qual é a razão disso? Exatamente porque sabemos que esse tipo de crime é praticado entre quatro paredes, é praticado em segredo, sob formas dissimuladas. É muito difícil desvendar e conseguir a prova do vínculo que une as pessoas em organizações criminosas (...). A validade deve ser sempre levada ao conhecimento do Poder Judiciário, porque essa é a principal garantia do devido processo legal.

 

Acordo de colaboração feito com os donos do grupo J&F

O Congresso deu ao Ministério Público uma grande latitude no tocante ao que se pode oferecer, mas é óbvio que essa latitude deve estar sempre em proporção — e isso me parece muito importante, porque faz parte do devido processo legal — com a colaboração. Aquele que colabora mais ganha uma vantagem maior; aquele que colabora menos, uma vantagem menor, mas sempre limitada a essa sanção penal.

 

 

Prisão após condenação em segunda instância

Vem em socorro da efetividade da aplicação da lei. O mais importante é fazer a entrega da prestação jurisdicional celeremente.

 

Foro privilegiado

Sou simpática à ideia de que todos os brasileiros sejam submetidos a um mesmo tipo de jurisdição, o seu juiz natural, mas compreendo que estamos caminhando, dentro do regime democrático, para o amadurecimento das instituições.

 

Lei de Abuso de Autoridade

Vem, igualmente, no socorro da ideia de que, no regime democrático, freios e contrapesos são necessários, controles são necessários, inclusive sobre os órgãos de administração da Justiça. Ninguém está imune a excessos, nenhuma instituição é imune a erros.

 

Uso de escutas por investigados

O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência — que é de mais de duas décadas e que tem sido reiterada em vários julgamentos — de que a gravação feita por uma pessoa sem conhecimento da outra é válida como instrumento de autodefesa. E, nesses limites, sob essa ótica, pautarei a atuação no que diz respeito à competência originária do PGR.

 

Conduções coercitivas

As conduções coercitivas têm finalidades específicas e devem ser utilizadas sobretudo em relação a pessoas que se recusem a comparecer em juízo. É no âmbito do poder geral de cautela, mas também de proteção da dignidade das pessoas investigadas, sobretudo considerando-as sob o aspecto do princípio da presunção constitucional de inocência, que nós devemos examinar quando a condução coercitiva está sendo adequadamente empregada.

 

Prisões preventivas

A duração de prisões preventivas deve ser examinada sob o aspecto da superpopulação carcerária. Há um impacto muito grande do percentual de pessoas encarceradas hoje no Brasil, porque muitas delas estão sob prisão preventiva e não por sentenças condenatórias transitadas em julgado, e essa é uma questão complexa, pendente de um adequado encaminhamento (...) E é no limite de cessação da atividade criminosa que nós devemos certamente olhar a duração das prisões preventivas que têm sido praticadas no Brasil.

 

Vazamentos das investigações

Os vazamentos são impróprios, são incompatíveis com o devido processo legal, com o Estado democrático de direito, e é preciso adotar medidas internas que mantenham a credibilidade da nossa instituição.

 

Segundo lugar na lista tríplice

Há muitos anos, estou nessa instituição e sou defensora ardorosa dessa lista, porque acho que ela funciona como um bom critério, um bom anteparo em relação à escolha do procurador-geral da República, numa perspectiva de que aquele que vier a ser escolhido e indicado pelo presidente contará com a legitimação dos membros da instituição. Quaisquer dos que figurem na lista passaram pelo rigoroso e severo critério dos procuradores da República. (...) Eu tive a grata satisfação de submeter um projeto de trabalho aos meus colegas e fiquei muito honrada em receber uma indicação que me colocou nesse segundo lugar da lista.

 

Projeto que limita o recrutamento de procuradores para forças-tarefas

É um projeto de gestão interna da nossa capacidade de trabalho. O projeto diz que apenas 10% da força de trabalho poderão ser liberados para trabalhar numa outra área da instituição. Isso significa, numa conta rápida, que 10% dos 1.200 procuradores, ou seja, 120, além dos 73 subprocuradores-gerais da República, que não precisam dessa licença, podem trabalhar, por exemplo, auxiliando o gabinete do procurador-geral da República em operações importantes como a Lava-Jato. É uma conta que chega a 200 pessoas, um número muito superior aos atuais 40 ou 41 que estão hoje nessa desoneração. A ideia é apenas de gestão. Não tiremos todos de um único lugar, mas distribuamos esse recrutamento entre todas as unidades da instituição.

 

Presença do Ministério Público em todo o país

É necessário que nós aquilatemos se vamos manter as nossas unidades funcionando baseadas em critérios quantitativos ou populacionais ou critérios relacionados à proteção devida ao meio ambiente, ao manancial da diversidade brasileira, considerando peculiaridades dos estados.

 

Cortes no orçamento

No Ministério Público Federal, temos de fazer uma contenção de despesas da ordem de R$ 218 milhões neste ano, sobre um orçamento de, mais ou menos, R$ 6 bilhões. É um valor significativo que impacta a atuação da nossa instituição. E eu apresentei aos meus colegas um projeto de trabalho que visa não deixar afetar a atividade-fim e não adotar critérios meramente quantitativos, mas sobretudo critérios qualitativos que indiquem onde somos necessários — e essas unidades não podem ser afetadas.

 

Frase

“A corrupção desvia dinheiro público de serviços essenciais, como saúde, educação, energia, transportes. Eleva o custo Brasil, encarecendo moradia, alimentos e vestuário. Também diminui a competitividade e aumenta o fosso da desigualdade social no país”

Raquel Dodge, subprocurapdora da República

 

 

Correio braziliense, n. 19770, 13/07/2017. Política, p. 6.