O Estado de São Paulo, n. 45217, 05/07/2017. Política, p. A4.

 

Primo de governador é preso em Mato Grosso

Fátima Lessa/ Julia Affonso/ Luiz Vassallo/ Fausto Macedo

05/08/2017

 

 

Investigação. Ex-secretário da Casa Civil, Paulo Taques é acusado de participar de esquema em que PMs grampearam ilegalmente políticos, advogados e jornalistas

 

 

A Polícia Civil prendeu ontem o ex-chefe da Casa Civil de Mato Grosso Paulo Taques, primo do governador Pedro Taques (PSDB), por suspeita de envolvimento em um esquema de grampos ilegais instalados no Estado por um núcleo de policiais militares. As interceptações clandestinas, conforme as apurações, atingiram mais de cem pessoas, entre políticos da oposição, advogados e jornalistas.

O esquema era conhecido como “Barriga de Aluguel” porque números de telefones dos alvos das escutas clandestinas eram incluídos ilegalmente em inquérito sobre tráfico de entorpecentes.

A prisão de Paulo Taques foi decretada pelo desembargador Orlando Perri, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Perri é o relator do caso no TJ.

O ex-secretário, advogado de profissão, que deixou a Casa Civil em maio, é suspeito de tentar destruir provas e documentos da investigação sobre o esquema. Para isso, conforme a investigação, Paulo Taques se aproveitava de influências nas secretarias estaduais de Comunicação, de Segurança e na própria Casa Civil.

A prisão do ex-secretário foi pedida pelo delegado Juliano Silva de Carvalho, que investiga o caso.

Segundo o desembargador, Paulo Taques tem “inequívoco prestígio” no âmbito do Executivo estadual, não apenas pelo grau de parentesco mantido com o governador, mas, também, por ter sido, durante anos, seu homem de confiança. “Não podemos descartar, pelo menos por ora, que estamos diante de uma organização criminosa muitíssimo bem arquitetada e formada para a prática, dentre outros, de crimes de interceptação telefônica ilegal”, afirmou.

Em sua decisão, Perri destaca que, apesar de “fortíssimos indícios do envolvimento de Paulo Taques com o grupo criminoso, o mesmo não se pode dizer – por ora – quanto ao governado Pedro Taques”. “Não há, até o momento, nenhum elemento, mínimo que seja, de sua participação na propalada organização criminosa, ou, pelo menos, de que sabia ou de que aquiesceu com os atos por ela praticados.”

O desembargador afirmou que, após “sair” do governo, Paulo Taques, em vez de buscar acesso aos autos de inquérito policial sigiloso, por meio de petição dirigida ao delegado que preside o inquérito, ou ao Poder Judiciário, “vem se valendo de sua influência com outras autoridades para obter benefícios indevidos”.

Perri afirma que a prisão é necessária para impedir a destruição de provas: “Se os membros do grupo tiverem acesso ao software e ao hardware de interceptação telefônica, até o momento não localizado, por certo que a possibilidade de encontrar alguma gravação ou áudio de interceptação telefônica clandestina será praticamente zero”, escreveu, citando também a possibilidade de adulteração de provas. “O sistema de protocolo da Casa Civil foi fraudado quando ele era secretário, e a fraude foi identificada pela Controladoria-Geral do Estado (CGE).”

A ordem de prisão de Paulo Taques foi motivada também pela suspeita de que o ex-chefe da Casa Civil mandou grampear a publicitária Tatiana Sangalli e sua ex-assessora Carolina Mariane. A publicitária que teve o celular interceptado em duas ações distintas das Polícias Civil e Militar é apontada nos autos como ex-amante de Paulo Taques. Segundo consta dos autos, Tatiane foi “grampeada” em outubro de 2014 pela Polícia Militar e, em 2015, em duas operações da Polícia Civil, “Forti” e “Querubim”.

O primo do governador de Mato Grosso foi preso em casa e passou por exames de corpo de delito. Ele foi levado para o Centro de Custódia de Cuiabá.

‘Estranheza’. Em nota, a defesa de Paulo Taques disse que recebeu com “bastante estranheza o pedido de prisão, tanto pelas justificativas quanto pelo caráter preventivo”. Diz ainda que “o advogado Paulo Taques não cometeu crime de escuta ilegal tampouco ordenou que cometessem tal prática ilegal”. O comunicado afirma ainda que o ex-secretário “não obstruiu investigações ou agiu no sentido de estimular a ocultação ou destruição de provas inquisitórias”.

Procurada pelo Estado, a assessoria de Pedro Taques afirmou que o governador tucano não vai se manifestar , sob o argumento de que não se trata de um assunto do Executivo, uma vez que Paulo Taques não é mais secretário da Casa Civil.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil da seccional Mato Grosso (OAB-MT), Leonardo Campos, compareceu à Polinter e conversou com Paulo Taques “para averiguar e assegurar a observância integral da legislação”.

Os outros citados não foram localizados.

 

- Organização criminosa

“Não podemos descartar, pelo menos por ora, que estamos diante de uma organização criminosa muitíssimo bem arquitetada e formada para a prática, dentre outros, de crimes de interceptação telefônica ilegal.”

Orlando Perri

DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO

 

PARA LEMBRAR

Apuração era sobre facções

Em novembro de 2014, a Polícia Militar e o Ministério Público de Mato Grosso firmaram um convênio para a instalação de escutas telefônicas no âmbito de uma investigação sobre supostas práticas de crimes de organização criminosa por indivíduos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e ao Comando Vermelho de Mato Grosso (CVMT).

Em 2015, o promotor de Justiça Mauro Zaque (foto), então secretário estadual de Segurança Pública, recebeu uma denúncia anônima de que pessoas alheias à investigação também estavam sendo grampeadas, prática que no jargão policial é chamada de “barriga de aluguel”.

A estimativa é de que cerca de 120 pessoas foram grampeadas irregularmente. Entre elas estavam políticos, advogados e jornalistas que faziam oposição ao governador Pedro Taques (PSDB) e até uma publicitária apontada como amante do então chefe da Casa Civil, Paulo Taques.

A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público, que instaurou procedimento, e, ainda em 2015, arquivou o caso sob o argumento de “que não verificava indícios que justificassem a existência de interceptação telefônica clandestina”. Dois anos depois, o caso foi revelado na imprensa. Em maio de 2017, o secretário de Segurança Pública, Rogers Jarbas, determinou à Polícia Militar suspensão das interceptações telefônicas.

Em seguida, o ex-secretário da Casa Militar de Mato Grosso Evandro Ferraz Lesco e três policiais militares, entre eles o ex-comandante da Polícia Militar do Estado, coronel Zaqueu Barbosa, foram presos preventivamente por suspeita de participação no esquema de escutas ilegais.