O globo, n.30732 , 27/09/2017. PAÍS, p.8

DENÚNCIA CAMINHA, E GOVERNO FAZ OFENSIVA

RENATA MARIZ

 

 

Durante cinco horas, texto foi lido na Câmara; movimentação do Planalto é para trocar nomes na CCJ

No dia em que a denúncia contra Michel Temer foi lida na Câmara, dando início à tramitação do pedido de autorização para que o presidente seja processado, o governo reforçou a ofensiva em busca de apoio. A indicação de um nome pró-Temer foi efetivada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que decidirá sobre a acusação antes da manifestação do plenário, sinalizando uma repetição do trocatroca no colegiado que marcou a votação da primeira denúncia. Pela manhã, o presidente prosseguiu no lançamento de medidas populares, com um anúncio de R$ 3 bilhões destinados a beneficiários do Bolsa Família. Nos bastidores, negocia com parlamentares um novo texto para o Refis.

A leitura da denúncia na Câmara dos Deputados, que durou cerca de cinco horas, ocorreu após dois dias de adiamento por falta de quórum no plenário, evidenciando a dificuldade do governo, interessado em apressar a tramitação da matéria, com a base aliada. Temer, acusado de organização criminosa e obstrução de Justiça, será notificado hoje para apresentar sua defesa na CCJ no prazo de dez sessões do plenário — embora seja provável que ele não use todo este tempo. Ao mesmo tempo, começa a tramitação do processo na comissão, onde um novo campo de batalha se forma em torno do fatiamento da denúncia, por atingir também os ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência.

O presidente da CCJ, deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), afirmou que já existe um estudo em andamento na comissão sobre o tema. Apesar de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já ter se manifestado contra o desmembramento, após conversar com a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, Pacheco não descarta a medida. Há, no entanto, uma resistência em tratar o caso de Temer isoladamente porque os três respondem por organização criminosa, estando, dessa forma, atrelados na prática denunciada pela ProcuradoriaGeral da República.

Como a Constituição Federal não disciplina de que maneira deve se dar a apreciação da Câmara para autorizar ou não o prosseguimento da denúncia nesses casos, em que há mais de um acusado além do presidente da República, será preciso construir uma solução, defendeu Pacheco. Ele também afirmou que só indicará o relator após decidir a questão do fatiamento.

 

FAVORITO À RELATORIA É ALIADO

O deputado Evandro Gussi (PV-SP), que votou a favor de Temer na primeira denúncia, é o favorito para relatar na Câmara a segunda acusação contra o peemedebista.

Gussi disse ao GLOBO não ter conversado com Pacheco, mas deixa claro que aceitará a missão caso o convite seja formalizado. Ele afirma que sua posição ao analisar decorre mais da situação política.

— Meu voto foi pelo que entendia melhor em termo de estabilidade. Precisamos ver agora se o presidente Temer é sinônimo de estabilidade ou instabilidade. E eu não vou me posicionar antes de votar — afirma Gussi.

A oposição também traçou estratégias para modificar a composição da CCJ e garantir votos contra Temer. O PSB decidiu que trocará parlamentares que apoiaram o presidente na primeira denúncia.

Ao anunciar o programa “Progredir” no Palácio do Planalto, que destina R$ 3 bilhões em microcrédito para beneficiários do Bolsa Família, Temer disse querer adotar o nome da iniciativa como mote do governo. Ele ignorou, no discurso, a denúncia que começava a tramitar na Câmara. Tampouco falou sobre o recuo recente de reajustar o Bolsa Família. O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) pleiteava um aumento de cerca de 1% acima da inflação, um número que era de cerca de 4,5%, no meio deste ano, que foi vetado pela equipe econômica.

— O meu sonho é que daqui a dez, 15 anos, que seja... Não vou fixar prazo, mas que, em dado momento, venhamos comemorar a desnecessidade de qualquer benefício de natureza assistencial, porque todos estarão empregados no Brasil — afirmou o presidente. (Colaboraram Eduardo Bresciani e Eduardo Barretto)