O Estado de São Paulo, n. 45225, 13/08/2017. Economia, p.B6

 

 

Domésticos podem ficar fora da reforma

Uma das dificuldades é a falta de sindicatos patronais, necessários para firmar acordos entre as partes que se sobreponham à legislação

Por: Fernando Nakagawa

 

Fernando Nakagawa / BRASÍLIA

 

Empregados domésticos estão à margem de alguns pontos da reforma trabalhista. Apesar da sanção do texto, prevalecem dúvidas, inclusive no próprio governo, sobre se e como serão adotadas novas regras para a categoria. Uma das grandes questões é como aplicar a grande novidade da reforma: permitir que alguns pontos negociados em acordos coletivos se sobreponham à legislação. Segundo a lei, essa negociação só pode acontecer entre sindicatos de patrões e empregados. No trabalho doméstico, porém, não há organização dos empregadores.

Técnicos do governo estão debruçados sobre esboços para a regulamentação de pontos da reforma trabalhista que começa a vigorar em 11 de novembro. Nesse trabalho, há dúvidas sobre como serão adotadas muitas das novidades previstas na lei. Nas reuniões entre a Casa Civil e o Ministério do Trabalho, foram encontradas até algumas contradições no texto sancionado pelo presidente Michel Temer e há temas em que o projeto peca pela falta de clareza sobre como acontecerão as mudanças.

Por enquanto, prevalece o entendimento de que novidades como a possibilidade de troca do dia de feriado ou o novo contrato intermitente (modelo em que um trabalhador pode ser contratado por hora ou para cumprir uma atividade específica) poderão ficar de fora do universo do trabalho doméstico.

Isso pode acontecer porque essas mudanças precisam passar pelo crivo ou ter parâmetros estabelecidos em acordo coletivo. Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tais acordos só podem ser assinados pelos sindicatos dos empregadores e dos trabalhadores. Empregados domésticos têm representação sindical, mas os patrões não contam com entidade representativa.

O banco de dados do Ministério do Trabalho mostra que há 36 sindicatos ativos de trabalhadores domésticos no País. Do lado dos patrões, no entanto, apenas três entidades representam os empregadores: um sindicato na capital paulista, outro em Campinas e um terceiro no Paraná. Todas as demais unidades da Federação não contam com representação ativa dos empregadores, o que inviabilizaria o fechamento de acordos coletivos.

Além da falta de representação patronal, as entidades existentes têm baixa representatividade. Criado em 1989, o Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo, por exemplo, conta com apenas cerca de 200 associados – universo ínfimo em uma categoria que geralmente tem um empregador para cada empregado.

 

Categoria. A própria existência desses sindicatos patronais é questionada no mundo jurídico. O coordenador nacional de promoção da liberdade sindical do Ministério Público do Trabalho, João Carlos Teixeira, lembra que o conceito de “categoria econômica” citado pela CLT para criação de entidades patronais trata de uma característica comum entre agentes com os mesmos objetivos econômicos. “Qual é o interesse econômico entre empregadores, já que essa atividade não aufere lucro?”, questiona o procurador.

Para Teixeira, a dificuldade de regulamentar pontos da reforma trabalhista era esperada, já que o texto aprovado “apresenta muita incongruência jurídica e fere não só a Constituição como algumas convenções internacionais”.

Apesar da dúvida sobre alguns pontos, a reforma não altera algumas possibilidades de acordo individual já previstas na legislação do trabalho doméstico, como a jornada de 12 horas trabalhadas com 36 de descanso ou a redução do intervalo de almoço para 30 minutos – novidades também previstas na reforma trabalhista.

Procurado, o Ministério do Trabalho não respondeu sobre a futura regulamentação da reforma, nem sobre incongruências do texto. O Sindicato dos Empregadores Domésticos de São Paulo também não respondeu ao pedido de entrevista.

 

 

 

CLT e ‘PEC das domésticas’ divergem

Por: Fernando Nakagawa

 

BRASÍLIA

 

Em 2015, Dilma Rousseff anunciou com festa a assinatura de uma nova legislação para os domésticos que passou a dar mais proteção aos trabalhadores. Apesar da criação da chamada “PEC das domésticas”, a CLT ainda serve como parâmetro para vários aspectos da relação entre patrão e empregado dentro do lar. Com a reforma trabalhista, porém, a CLT foi alterada e agora há temas com regras divergentes que podem chegar à Justiça.

A primeira polêmica é sobre o banco de horas. O texto da reforma diz que as horas acumuladas devem ser compensadas em no máximo seis meses. Já a PEC cita prazo maior, de 12 meses. Para o procurador do Ministério Público do Trabalho João Carlos Teixeira essa divergência deve fazer com que prevaleça a condição mais favorável ao trabalhador. “No direito do trabalho, o princípio de hierarquia das leis não se aplica e vale o que for mais favorável – nesse caso, a compensação em menos tempo.”

Outra divergência trata das férias. A regra prevista na legislação dos trabalhadores domésticos permite parcelar o período de descanso anual em dois, sendo que um desses momentos deve ter pelo menos 14 dias. Já a reforma trabalhista prevê parcelamento das férias em até três períodos.

A nova multa para o empregador que não registra o funcionário também causa dúvida. Pela reforma, será aplicada multa de R$ 800 para pequenas empresas e de R$ 3 mil para as demais. Como o texto não faz menção ao trabalhador doméstico, há dúvidas se a regra será aplicada nesse caso. Há, ainda, pontos da reforma que devem gerar ônus ao doméstico. O texto cita que caberá ao empregador definir se o empregado usará uniforme. Se essa for a escolha do patrão, a lavagem das roupas será responsabilidade do empregado. Essa é uma nova obrigação que não era prevista na CLT, nem na PEC das domésticas./F.N.