O globo, n.30731 , 26/09/2017. PAÍS, p. 6

LULA APRESENTA RECIBOS DE ALUGUEL DE IMÓVEL

CLEIDE CARVALHO

 
 
 
Papéis contrariam versão do dono do apartamento, que precisará dizer se sua assinatura é verdadeira

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou ontem ao juiz Sergio Moro o contrato de locação assinado pela ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, que morreu neste ano, e 26 recibos de pagamento de aluguel da cobertura vizinha ao apartamento da família, em São Bernardo do Campo (SP). Os documentos vão de agosto de 2011 a dezembro de 2015, mas não correspondem a todos os meses do calendário.

Os recibos contrariam, no entanto, a versão que Glaucos da Costamarques — proprietário do imóvel e primo do pecuarista José Carlos Bumlai — contou a Moro, ao ser interrogado em 6 de setembro. À época, ele disse que não havia recebido nenhum aluguel entre fevereiro de 2011 (quando começou o contrato) a novembro de 2015, quando Bumlai foi preso pela Lava-Jato.

Com a apresentação dos recibos, Costamarques terá de dizer se reconhece como sua a assinatura que aparece nos documentos e qual o motivo de não ter citado esse fato em seu primeiro depoimento.

Quando foi interrogado por Moro em 13 de setembro, Lula se comprometeu a procurar e entregar recibos do aluguel.

Dos 26 recibos de pagamento de aluguel apresentados, 24 correspondem ao período anterior a novembro de 2015 — quando Costamarques diz ter começado a receber.

O Ministério Público Federal (MPF) acusa o ex-presidente de ter recebido o apartamento como vantagem indevida da Odebrecht. A defesa do ex-presidente Lula afirma que não há qualquer prova de que o apartamento tenha sido recebido como uma propina da Odebrecht vinculada a contratos da Petrobras, e sustenta que a família do petista alugava o imóvel.

Segundo os advogados, nem todos os recibos de aluguel foram localizados. Em depoimento a Moro, Lula e o advogado Roberto Teixeira disseram que Marisa Letícia era a responsável pelo negócio.

 

VALORES DE ATÉ R$ 4,3 MIL

O único recibo apresentado do ano de 2011 é datado de 5 de agosto e tem valor de R$ 3.500. Sobre 2012, foram apresentados recibos de junho a outubro, no valor de R$ 3.660. Foram apresentados recibos de 2013 sobre pagamentos de janeiro, março, novembro e dezembro — o primeiro de R$ 3.660, e os demais, R$ 3.950. Os de 2014 são seis, dois de R$ 3.950 e outros de R$ 4.170. O ano de 2015 tem o maior número de recibos (dez), com valores de R$ 4.170 e de R$ 4.300.

A defesa de Lula diz que não há qualquer elemento que dê “sustentação à fantasiosa tese” de que Lula foi beneficiado com recursos provenientes de contratos com a Petrobras e que “a força tarefa da Lava-Jato elegeu artificialmente uma relação privada de locação entre o Sr. Glaucos da Costamarques (locador) e D. Marisa Letícia Lula da Silva (locatária)”.

Ainda para Moro, Costamarques disse que estava num hospital quando foi procurado pelo advogado Roberto Teixeira. Ele teria dito que começaria a fazer os pagamentos. Segundo Costamarques, os depósitos não eram identificados e provavelmente eram feitos em dinheiro, em caixas eletrônicos.

Costamarques afirmou ainda que comprou o imóvel a pedido de Bumlai e que cobrou os alugueis apenas uma vez, ainda em 2011, porque, na verdade, esperava mesmo era receber pelo apartamento, o que não ocorreu. Ao juiz, reconheceu que mentiu no primeiro depoimento dado à Polícia Federal, quando disse que comprou o imóvel como investimento.

A ação envolve ainda a compra de um imóvel que seria destinado ao Instituto Lula. Costamarques também apareceu como primeiro comprador do imóvel, que depois foi repassado para a DAG, ligada à Odebrecht. Ele recebeu R$ 800 mil da empresa.

O empresário Marcelo Odebrecht disse que recebeu de Bumlai o pedido para comprar o imóvel para o Instituto Lula e que debitou a quantia da conta de propinas para o PT, com aval do ex-ministro Antonio Palocci, que gerenciava os gastos do partido.

O valor, de R$ 12 milhões, apareceu inicialmente nas anotações do empresário como “prédio IL”. O Instituto Lula teria desistido do prédio e, segundo Marcelo, o valor foi creditado novamente na planilha “italiano”. O Instituto nunca usou o prédio.

A versão de Marcelo Odebrecht foi corroborada por Palocci, que tenta negociar acordo de delação premiada com a LavaJato. Depois do depoimento de Palocci, Lula também foi interrogado pelo juiz e afirmou que seu ex-ministro é “calculista e frio” e sugeriu que ele tenha feito acusações apenas para se beneficiar de um acordo com o MPF e conseguir de volta parte dos valores que foram bloqueados. “Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade”, disse Lula ao juiz.

 

DOAÇÃO DE R$ 4 MILHÕES

Moro havia determinado bloqueio de R$ 128 milhões de contas e aplicações de Palocci. O Banco Central localizou R$ 30,8 milhões, dos quais R$ 30 milhões foram encontrados na conta da consultoria do ex-ministro, a Projeto.

Em depoimento prestado em agosto à Polícia Federal e divulgado ontem, Marcelo Odebrecht reafirmou que uma doação formal de R$ 4 milhões da empreiteira ao Instituto Lula foi registrada na mesma planilha que tratava de acertos financeiros do grupo com políticos do PT e com Lula.

O empresário apresentou à Justiça cópia de um e-mail em que orienta o pagamento a Hilberto Silva, do setor de Operações Estruturadas, responsável pelo pagamento, e avisa o setor de comunicação da empresa. Segundo ele, por se tratar de doação formal e pela necessidade de “ter um discurso para eventual esclarecimento público”.

O setor de Operações Estruturadas ficou conhecido, na Operação Lava-Jato, como o departamento de propinas da empreiteira.