Título: A cartada do petróleo
Autor: Garcia, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 21/02/2012, Mundo, p. 12

Ao mesmo tempo em que recebe inspetores nucleares da ONU, regime ameaça estender embargo a outros países europeusNotíciaGráfico

Um dia depois de anunciar a suspensão das exportações de petróleo para a França e o Reino Unido, o Irã anunciou ontem que poderá estender a medida a outros países da União Europeia (UE), caso o bloco continue a punir o país com sanções econômicas. A ameaça coincidiu com a chegada de mais uma equipe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) — a segunda desde o início do ano — que pretende inspecionar instalações nucleares do país. O regime islâmico é alvo de suspeitas do Ocidente quanto à pretensão de desenvolver armas atômicas.

O presidente da companhia nacional petroleira do Irã (Nico), Ahmad Ghalebani, classificou as penalidades impostas pela UE como "ações hostis". Disse ainda que Alemanha, Espanha, Itália, Grécia, Portugal e Holanda estão na lista de países que podem ser os próximos atingidos. No último domingo, Teerã anunciou o corte às empresas petroleiras britânicas e francesas, em resposta às novas sanções divulgadas pelo bloco, na tentativa de pressionar o país a abandonar seu programa nuclear. "A resposta já era esperada, mas o Oriente penalizou o Irã sabendo de seu potencial de conflito", comentou Michael Rubin, especialista em Oriente Médio no American Enterprise Institute.

O especialista em Irã Patrick Clawson, pesquisador do Instituto de Washington para Política do Oriente Médio, acredita que as medidas não afetarão os países europeus. "A UE tem muitos fornecedores alternativos, como Rússia e Arábia Saudita, que exportam petróleo semelhante ao iraniano", opinou. "A Europa, em contrapartida, tem muitas opções para pressionar Teerã. O bloco provavelmente intensificará as sanções neste ano."

Para o historiador Daniel Pipes, também especialista em Oriente Médio, o embargo anunciado pelo regime islâmico é meramente simbólico. "O país disse não à Europa antes que o continente se manifestasse em relação ao petróleo", disse. A própria França minimizou o impacto da medida. "A decisão iraniana não tem consequências diretas", garantiu Jean-Louis Schilansky, presidente da União Francesa das Indústrias de Petróleo (UFIP). Ele afirmou que a França "praticamente parou de importar petróleo iraniano desde 2011".

Vistoria Em meio à tensão entre as potências ocidentais e o Irã, a AIEA enviou sua equipe a Teerã com a missão de buscar "soluções diplomáticas" para o controverso programa nuclear. A delegação esteve no país entre 29 e 31 de janeiro deste ano, quando o presidente Mahmud Ahmadinejad autorizou uma extensão da visita — marcada para ontem e hoje. A missão anterior foi considerada satisfatória pela agência atômica das Nações Unidas. Representantes da AIEA destacaram que ainda há muito trabalho a ser feito.

O chefe da equipe de inspetores, Herman Nackaerts, afirmou que espera "resultados concretos" da viagem, embora acredite que as conclusões não deverão ser imediatas. Em novembro, um relatório da AIEA apontou algumas atividades do programa nuclear iraniano, entre elas os progressos no enriquecimento de urânio, que seriam compatíveis com a produção da bomba atômica.

A boa vontade de Teerã em receber os inspetores surpreendeu autoridades internacionais. O embaixador iraniano perante a AIEA, Ali Asqar Soltaniyeh, argumentou que o principal objetivo da extensão da visita é provar que o projeto é "transparente". O ministro das Relações Exteriores, Ali Akbar Salehi, mostrou-se otimista com as perspectivas da missão e disse esperar que os líderes da Europa sejam "sábios" e busquem "uma melhor relação" com o país.

Virou carnaval No tradicional desfile da segunda-feira de carnaval em Düsseldorf, na Alemanha, o impasse nuclear iraniano inspirou uma alegoria bem-humorada retratando a tensão entre Teerã e o Ocidente. O presidente Mahmud Ahmadinejad aparece acendendo, como se fosse um charuto, um cartucho de dinamite com a inscrição "programa atômico". A chama do fósforo tem o símbolo da energia nuclear. A Alemanha integra, com os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Reino Unido, França, Rússia e China), o grupo de potências que negocia o tema com o regime islâmico.