O Estado de São Paulo, n. 45227, 15/08/2017. Política, p.A4

 

Joesley escondeu crimes em delação, afirma MPF

Denúncia. Procurador Ivan Marx diz que executivo da JBS omitiu delitos praticados no BNDES; empresário pode pagar mais de R$ 1 bilhão por prejuízos aos cofres públicos

Por: Fábio Fabrini / Fabio Serapião

 

Fábio Fabrini

Fabio Serapião / BRASÍLIA

 

O procurador Ivan Marx, do Ministério Público Federal (MPF) em Brasília, afirmou que o empresário Joesley Batista e executivos do Grupo J&F esconderam, em suas delações premiadas, crimes praticados no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Apesar da imunidade penal obtida pelos delatores no acordo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Marx disse que pretende apresentar denúncia pelos delitos e cobrar R$ 1 bilhão a mais da companhia por prejuízos ao erário.

Responsável pela Operação Bullish, que mira nos negócios do banco com o grupo, Marx afirmou que as fraudes em aportes bilionários feitos no conglomerado estão demonstradas na investigação. “Onde eu digo que eles estão mentindo é no BNDES. A Bullish apontou mais de R$ 1 bilhão de problemas em contratos. Os executivos vão lá, fazem uma delação, conseguem imunidade e agora não querem responder à investigação”, disse ao Estado.

As delações dos executivos da J&F, que controla a JBS, serviram de base da denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva. A Câmara vetou o prosseguimento da acusação. Janot, porém, deverá oferecer uma outra denúncia contra o peemedebista, com as delações como um dos elementos, por obstrução da Justiça e organização criminosa.

Entre 2005 e 2014, o BNDES aportou R$ 10,63 bilhões na J&F para viabilizar a aquisição de outras companhias, o que a transformou em líder mundial no segmento de proteína animal. A política foi amplamente adotada nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Em delação, homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), executivos da J&F disseram ter pago propina ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para não atrapalhar os trâmites das operações no BNDES. Mantega nega. Porém, alegaram que não houve interferência na análise técnica e na concessão dos aportes. Laudos da Bullish, deflagrada em maio, apontam, porém, fraudes em ao menos seis aportes.

Marx disse que as investigações mostram, no mínimo, a ocorrência de gestão temerária nas operações. Para ele, isso justifica processar tanto os gestores do banco quanto os executivos, na condição de coautores. “O BNDES não fez isso sozinho. Foi sempre por demanda deles (JBS)”, afirmou, ressaltando que os crimes estão “muito

bem detalhados” no inquérito. “A empresa errou quando se ‘esqueceu’ que o problema dela é o BNDES.” A operação avalia agora se houve outros delitos, além da gestão temerária. Não há prazo para eventual denúncia.

Procurada, a JBS não se manifestou. O BNDES informou que não comentaria o caso.

 

Delação. Marx disse que não é sua tarefa, mas da PGR, tomar medidas para suspender ou anular colaborações. “O que me cabe é dizer que tenho prova dos crimes e processá-los.” O procurador criticou ainda a conduta adotada com delatores, de chamá-los para complementar depoimentos quando se demonstra que ocultaram informações. “Se você provar, eu faço recall”, disse.

Marx avalia também ajuizar ação de improbidade administrativa para cobrar da JBS prejuízos causados pelas operações do BNDES, por ora calculados em R$ 1 bilhão. Segundo ele, esse valor não foi compensado pelo acordo de leniência de R$ 10,3 bilhões firmado pelas Operações Greenfield, Sépsis, Cui Bono?, Carne Fraca e também Bullish. O acordo foi divulgado, em nota do MPF, no dia 31 de maio.

A negociação foi conduzida pelos procuradores da Greenfield, que apura desvios em fundos de pensão. Marx disse que não participou da proposta. “Nós (da Bullish) não aderimos a esse acordo”, afirmou.

Marx tem feito outras críticas aos delatores da JBS. Como mostrou ontem a Coluna do Estadão, ele alega que a empresa tem sonegado documentos.

 

Depoimento. O empresário Joesley Batista ao deixar o prédio da Polícia Federal, em São Paulo, na semana passada

 

PARA LEMBRAR

Provas contra Lula e Dilma

O procurador Ivan Marx já havia criticado a delação de Joesley Batista, dizendo que o empresário não comprovou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente cassada Dilma Rousseff eram beneficiários ou sabiam de contas na Suíça. Segundo Joesley, sua empresa teria depositado nessas contas US$ 150 milhões em propinas para uso em campanhas eleitorais.

 

 

 

Recusamos convite para ir ao Jaburu, diz procurador

Por: Tânia Monteiro / Julia Affonso / Marcelo Osakabe

 

Após a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, visitar, na semana passada, o presidente Michel Temer fora da agenda oficial no Palácio do Jaburu, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou que a força-tarefa da Lava Jato de Curitiba recusou um encontro à noite, também no Jaburu, antes da votação do impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff. À época, Temer era vice-presidente. Segundo o procurador, o convite partiu do ex-assessor do peemedebista Rodrigo Rocha Loures.

“Só houve um convite, e nós recusamos”, afirmou Carlos Fernando, ontem, em evento em São Paulo. “Nós mesmos, às vésperas do dia da votação do impeachment, fomos convidados a comparecer no Palácio do Jaburu, à noite, e nós recusamos. Nós entendíamos que não tínhamos nada que falar com o eventual presidente do Brasil naquele momento”, afirmou.

Segundo Carlos Fernando, Loures, flagrado com uma mala com R$ 500 mil em propina do Grupo J&F e pivô da crise política que levou à denúncia por corrupção passiva contra o presidente, fez contato com os procuradores em Brasília durante um prêmio que a força-tarefa recebeu por combate à corrupção.

O procurador disse que o convite de Loures foi feito em 10 de maio de 2016. No dia seguinte, o plenário do Câmara deu início à votação do parecer da Comissão de Constituição e Justiça sobre o impeachment. Em 12 de maio, Dilma foi afastada da Presidência.

Auxiliares de Temer minimizaram o convite de Loures e disseram que o presidente já recebeu procuradores para um café da manhã no Jaburu.

Ao se referir à visita de Raquel, Carlos Fernando disse que ela deve ser cobrada sobre o encontro. Anteontem, ela divulgou nota na qual disse que a audiência estava em sua agenda pública e teve por objetivo discutir com Temer sua posse, em 18 de setembro. /TÂNIA MONTEIRO, JULIA AFFONSO E MARCELO OSAKABE

 

Raquel reitera convite

A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, reiterou convite para que todos os membros do Grupo de Trabalho da Lava Jato, em Brasília, permaneçam nos cargos após sua posse.