O Estado de São Paulo, n. 45227, 15/08/2017. Política, p.A6

 

 

Câmara reage a distritão e adia votação

Partidos da base demonstram resistência às mudanças discutidas na reforma política; decisão no plenário deve ficar para a próxima semana

Por: Felipe Frazão / Isadora Peron

 

Felipe Frazão

Isadora Peron / BRASÍLIA

 

A Câmara dos Deputados adiou para a semana que vem a previsão de votar, em plenário, as novas regras eleitorais. Partidos da base governista, sobretudo do Centrão, demonstraram resistência às mudanças discutidas na reforma política. Os deputados devem concluir hoje os trabalhos da comissão especial, que trata do fundo público de R$ 3,6 bilhões para custear as campanhas e a mudança do sistema de votação para o chamado distritão.

O prazo inicial de votar o relatório de imediato em plenário, na noite de amanhã, atrasou. Para aprovar o texto, seriam necessários 308 votos, o que está cada vez mais incerto. “Com certeza só vai ao plenário na semana que vem”, disse o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), presidente da comissão.

Depois de uma frente de partidos, principalmente da oposição, ter feito campanha contra a mudança do sistema de votação para o distritão, siglas da base governista aderiram ao movimento. PR, PRB e PV fecharam questão contra o sistema em que apenas os parlamentares mais votados de cada Estado são eleitos – atualmente, as vagas são distribuídas por meio de um cálculo que leva em conta os votos dos deputados e os recebidos na legenda. Também há resistência ao modelo nas cúpulas do PP e do PSD.

“Distritão votamos contra. O fundo ainda vamos discutir, mas há uma tendência para ir contra no meio da bancada”, disse o presidente nacional do PRB, ministro Marcos Pereira (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu ontem as críticas ao distritão e disse que o sistema, como um modelo de transição, “não é tão ruim assim”. “Eu acho que se a gente tiver uma transição, com o distrital misto em 2022, a gente deu um grande passo e conseguiu construir, a médio prazo, um modelo que vai conseguir dar racionalidade ao sistema brasileiro”, disse.

 

Pressão. A disputa sobre o controle das verbas do fundo eleitoral despertou a pressão dos dirigentes partidários sobre as bancadas. Líderes do Centrão e de legendas menores estão em desacordo com a proposta de estabelecer uma reserva de valores entre as candidaturas majoritárias (prefeito, governador e presidente). Eles querem ratear os recursos segundo os próprios interesses e estratégias eleitorais. Por isso, segundo um dos deputados que integram a cúpula da comissão, passaram a ameaçar a votar contra o distritão, como retaliação.

Bancadas como a do PSDB, DEM e PSD devem fazer reuniões nos próximos dias para discutir como votar sobre os dois principais pontos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 77 de 2003, que deve ser a primeira a chegar ao plenário. A repercussão negativa da destinação de R$ 3,6 bilhões dos cofres públicos para custear campanhas também fez alguns parlamentares recuarem.

“Nós não temos posição consolidada sobre o fundo. Estamos numa escolha de Sofia. Tanto o financiamento privado (de empresas) quanto o público foram rejeitados. Temos que pensar se a transparência no processo democrático vale esse custo”, disse o líder do DEM, deputado Efraim Filho (PB), favorável ao distritão.

O relatório em debate, de autoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), estipula que os recursos para financiar campanhas sejam equivalentes a 0,5% da Receita Corrente Líquida, o que a equipe econômica do governo considera problemático em tempos de ajuste fiscal.

Vieira Lima cobrou que partidos que votarem contra o fundo abram mão de receber a verba, caso a proposta seja aprovada. “Quem estiver resistindo ao fundo, que não aceite depois, mesmo que aprove. É muito bonito criticar e receber o benefício. Qualquer coisa diferente disso é demagogia barata”.

 

Origem. Segundo o líder do Congresso, André Moura, há muitas propostas em debate na Câmara sobre recursos de fundo

 

 

 

 

 

DEBATE: O Brasil deve adotar o distritão?

 

MARCOS MONTES

DEBATE: O Brasil deve adotar o distritão?

SIM

Sou favorável, como uma transição para o distrital. Não é possível essa proliferação de partidos. O mais moderno seria a lista fechada. Duro é um deputado não se eleger com 70 mil votos e outro, com 10 mil, sim. O cidadão comum não entende isso. O distritão deixaria os partidos mais envolvidos. Também sou favorável ao financiamento privado. Não dá para tirar de saúde e educação. Tem de tirar da política, sacrificar as emendas de bancadas, retirar de institutos e fundações e de gastos em propaganda partidária de TV. Isso evitaria o uso de mais dinheiro público.

 

DEPUTADO FEDERAL E LÍDER DO PSD NA CÂMARA

 

 

CARLOS ZARATTINI

DEBATE: O Brasil deve adotar o distritão?

NÃO

Esse sistema desmonta os partidos, privilegia candidaturas individuais e favorece a manutenção dos atuais deputados. Isso prejudica a renovação, o que é antidemocrático. O PT está fechado contra o distritão. Se for mantido o sistema proporcional e aprovar o fim das coligações, já melhora muito. Queremos aprovar a cláusula de desempenho e diminuir o número de partidos. O fundo (de R$ 3,6 bilhões) pode baixar caso os deputados aceitem diminuir o teto de gastos das campanhas. A discussão sobre de onde virão os recursos pode ser feita no próximo ano, no Orçamento.

 

DEPUTADO FEDERAL E LÍDER DO PT NA CÂMARA

 

 

 

 

 

 

Comissionado poderá ter de bancar fundo

Por: Isadora Peron

 

BRASÍLIA

 

O líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), afirmou ontem que a Câmara avalia que os recursos para o fundo público para financiar as campanhas eleitorais venham de uma contribuição de funcionários comissionados – que não são concursados – dos próprios parlamentares.

“Existe uma possibilidade agora de uma contribuição dos próprios funcionários comissionados dos deputados e senadores, um desconto do porcentual da remuneração deles”, afirmou o líder do governo.

De acordo com Moura, ainda não há consenso sobre de onde virão os recursos do Fundo Especial de Financiamento da Democracia. A estimativa é de que o valor chegue a R$ 3,6 bilhões na disputa eleitoral de 2018.

Moura disse que há muitas propostas em debate na Câmara e que os deputados resistem a abrir mão dos recursos das emendas de bancadas e estudam maneiras para que esses valores não sejam retirados do Orçamento da União, o que poderia afetar áreas sociais.

 

Dedução. Para Moura, o governo não deve conceder a dedução do Imposto de Renda às emissoras de rádio e TV que transmitem o horário eleitoral gratuito. Hoje, parte do valor é abatida tendo em vista o que as empresas receberiam caso comercializassem o espaço ocupado pela propaganda dos candidatos.

Segundo o líder, o valor dessas deduções chega a R$ 3 bilhões em ano eleitoral, o que seria suficiente para alimentar o fundo destinado a campanhas.

A proposta para a criação do fundo público de financiamento de campanha foi aprovada na semana passada pela comissão especial que discute reforma política na Câmara. Partidos como o PSOL têm criticado o valor do fundo, considerado muito alto. Por se tratar de uma emenda à Constituição, a proposta terá de receber o apoio de 308 dos 513 deputados./I.P.

 

 

 

 

 

 

Eleitores e partidos terão de esperar

Por: Glauco Peres

 

ANÁLISE: Glauco Peres

 

A adoção do distritão tem provocado intenso debate público nos últimos dias e a celeridade com que o tema é tratado na Câmara demonstra o forte interesse dos deputados em alterar o sistema vigente. Como a reforma política parece ser o fim de todos os nossos problemas, os parlamentares aproveitam-se da crítica para implementar uma alteração drástica nas regras eleitorais. A questão reside na motivação dos deputados e em suas prováveis consequências. Quais os efeitos dessa mudança sobre os partidos?

Em democracias saudáveis, os partidos políticos funcionam como agregadores dos diferentes interesses particulares e como coordenadores das eleições, ao oferecer diferentes alternativas aos eleitores. Assim, não existe democracia sem partidos. Apesar de nossos partidos serem falhos na tarefa de representação de diferentes interesses, o esforço deve ser no sentido de fortalecê-los para que o façam, e não o contrário.

Porém, os deputados não parecem preocupados com isso. Em conjunto com o financiamento público de campanha, as mudanças caminham no sentido de permitir que as lideranças partidárias tenham pleno controle dos candidatos que terão maior visibilidade em 2018. Ao mesmo tempo, as novas regras reduzem o número de candidatos potenciais, restringindo a escolha do eleitor. Ou seja, os partidos ficam claramente fragilizados como canalizadores de interesses da sociedade, ainda mais porque cada candidato fará a campanha promovendo a si mesmo, e não ao partido ou àquilo que a legenda representa.

Para que serve a mudança, então? A única motivação dos candidatos parece ser garantir a reeleição, mantendo o foro privilegiado e escapando da Lava Jato. Os partidos e os eleitores terão de esperar por 2022.

 

PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP