O Estado de São Paulo, n. 45223, 12/08/2017. Política, p.A6

 

 

Retaliação e retrocesso

João Domingos

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A reforma política que uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou até agora pode ser chamada de qualquer coisa. Menos de reforma política. Ela é tão esquisita que, em alguns casos, não trata de questão eleitoral nem política. Por exemplo: quando resolve fixar em dez anos o tempo de mandato dos ministros dos tribunais superiores, foge da política e das eleições. Imiscui-se de forma indevida no funcionamento do Judiciário.

O que tem a ver o tempo em que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) exerce sua atividade de juiz na Corte suprema do País com as eleições de deputado, senador, prefeito, governador, vereador e presidente da República? Nada. Nadica de nada.

A Constituição nem trata o ministro do STF como um igual a deputado federal e a senador. Tanto é que só pode ser ministro do Supremo o brasileiro nato, exigência feita também para o presidente da República, o vice-presidente e os presidentes do Senado e da Câmara. Os outros 512 deputados e 80 senadores não necessitam ser brasileiros natos.

Ministro do STF não chega lá pela escolha do eleitor. Ele é indicado pelo presidente da República entre cidadãos brasileiros natos –e é bom repetir – acima de 35 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada. Para chegar à Corte, ele tem de passar por uma sabatina no Senado (nada a ver com a Câmara e com os deputados). Se convencer o conjunto de senadores de que está preparado para exercer a magistratura no mais alto tribunal do País, assume o posto de ministro, com cargo vitalício. Só é obrigado a sair quando completar 75 anos.

Só é possível entender a tentativa de limitar o tempo de trabalho no STF a partir de uma reforma política como uma retaliação à decisão recente dos ministros que impede presidentes da Câmara e do Senado que se tornam réus na Corte de substituir o presidente da República nos casos de ausência deste. Ou mesmo às investigações das atividades suspeitas de deputados e senadores envolvidos com a Operação Lava Jato e assemelhadas.

A reforma política que a Câmara debate, e que não pode levar esse nome, decidiu criar também o Fundo Especial de Financiamento da Democracia, que não é outra coisa senão um fundo a ser abastecido com o dinheiro público para o financiamento das eleições. Algo em torno de R$ 3,6 bilhões para ser usado nas próximas eleições, visto que a doação de empresas está proibida.

Ora, democracias não precisam de um fundo para se financiar. Elas se sustentam por si, ao garantir o funcionamento das instituições, da economia, da política, dos direitos coletivos, das minorias e individuais, do livre exercício do pensamento e do ir e vir, e do direito à informação. Enfim, do funcionamento das instituições garantidoras do Estado Democrático de Direito, como o STF.

Tem ainda na proposta em debate na Câmara o Distritão, que passa a valer para as eleições de deputados federais, estaduais e vereadores. Numa forma simples de definir tal sistema, será eleito aquele que receber mais votos. Sempre foi defendido pelo presidente Michel Temer e, agora, também pelo PSDB, que vê na sua criação a possibilidade de abrir caminho para o parlamentarismo.

O Distritão carrega em si sérios problemas. Inibirá a renovação da Câmara, porque beneficiará rostos conhecidos que já frequentaram as campanhas políticas e também os que têm o controle dos partidos que dirigem e que agora lutam para preservar os mandatos.

Em nenhum momento os deputados pensaram em criar uma regra permanente para as eleições. De novo, como das vezes anteriores, correm para aprovar o que der, mesmo que seja transitório, mesmo que pareça ter por trás a retaliação a um dos poderes da República. Em resumo, um retrocesso.

 

 

 

 

Distritão é ‘muito ruim’, afirma Maia

Presidente da Câmara critica sistema eleitoral aprovado na comissão da reforma política da Casa e o fundo público para bancar campanhas

Por: Roberta Pennafort

 

Roberta Pennafort / RIO

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEMRJ), criticou ontem ao proposta que institui o distritão como sistema eleitoral para o País. Ele também questionou o caráter permanente do fundo público de financiamento de campanhas eleitorais, que, para a disputa do ano que vem, chegaria ao valor de R$ 3,6 bilhões. “A reforma não parece a melhor”, afirmou o presidente da Câmara.

Para o deputado, que disse lamentar o fim “abrupto” do financiamento empresarial de campanha, o fundo aprovado em comissão especial da Câmara nesta semana não será necessário “para sempre” e, portanto, deveria ser “transitório”. “Como um valor permanente, acho muito grave”, afirmou.

Maia disse ainda que o fato de o fundo eleitoral aprovado ser perene e receber 0,5% da Receita Corrente Líquida do ano anterior “gera uma sinalização equivocada na sociedade, mostra que a política não quer dar soluções concretas para o futuro, mas para hoje”. Em setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu declarar inconstitucionais normas que permitem a empresas doar para campanhas eleitorais.

Sobre o distritão, o presidente da Câmara afirmou que “é muito ruim”. Para ele, pelo modelo, serão privilegiados os candidatos já conhecidos do eleitorado e aqueles que dispõem de recursos para arcar com campanhas caras. Isso, segundo o deputado, impedirá a renovação dos quadros nas casas legislativas, o que resultará na perpetuação de representantes de “igrejas num segmento, agronegócio em outro e políticos ligados à máquina pública”.

Distrital misto. Diante de um “sistema eleitoral falido”, Maia afirmou que seria “maravilhoso” aprovar no Congresso o sistema distrital misto para as eleições de 2022. “Se conseguirmos aprovar o distrital misto teremos um sistema que deu certo, principalmente na Alemanha. Será uma grande vitória, poderemos recuperar a legitimidade e a relação da sociedade com a política. O distritão não existe em quase nenhum país.”

No distritão, cada Estado ou município vira um distrito eleitoral e são eleitos os candidatos mais votados em cada distrito. Não são levados em conta os votos para o partido ou a coligação. Já no distrital misto, o eleitor vota duas vezes: em um candidato e em um partido. Metade das vagas é dos candidatos mais votados do distrito e a outra metade é preenchida por nomes indicados pelos partidos, na forma de lista pré-ordenada elaborada pela própria legenda.

O distritão e o fundo eleitoral foram aprovados na quinta-feira passada na comissão da Câmara que trata da reforma política. As novas regras só valerão para 2018 caso sejam aprovadas no Congresso até 7 de outubro.

Maia também defendeu a adoção da cláusula de desempenho, que restringe o acesso dos partidos ao Fundo Partidário. “Se você não tiver uma cláusula de desempenho alta e fidelidade partidária, vai acabar tendo 513 partidos”, afirmou.

Reformas. No Rio para participar de um painel da Fundação Getúlio Vargas, Maia centrou sua fala nas reformas propostas pelo governo. “Estamos enfrentando grandes desafios. Olhando para o ano passado, para o que o presidente e o Congresso receberam de herança dos 13 anos de governo do PT, acho que avançamos”, declarou.

A jornalistas, após o painel, disse que não acredita que um debate sobre a mudança do regime para o parlamentarismo possa ser feito agora.

 

- Distritão

“Se conseguirmos aprovar o distrital misto teremos um sistema que deu certo, principalmente na Alemanha. Será uma grande vitória, poderemos recuperar a legitimidade e a relação da sociedade com a política. O distritão não existe em quase nenhum país”

Rodrigo Maia (DEM-RJ)

PRESIDENTE DA CÂMARA

 

 

 

 

 

ENTREVISTA - Murilo Aragão

Por: Vítor Marques

 

Legislativo está muito dividido, diz consultor

Para sociólogo Murillo Aragão, parte dos deputados é contrária ao distritão; ‘O ideal é o distrital misto’

 

Vítor Marques

A margem apertada pela qual o distritão foi aprovado na comissão especial da reforma política indica uma Câmara dos Deputados dividida em torno das novas regras eleitorais. A análise é do sociólogo Murillo Aragão, da consultoria Arko Advice. “Existem deputados que só se elegem porque existe o sistema proporcional.” Segundo ele, a reforma política deveria aprovar o voto distrital misto a partir de 2022. Abaixo, leia os principais trechos da entrevista ao Estado.

 

Como o senhor avalia a reforma política que está sendo discutida? Há avanços em relação ao sistema atual?

Se o voto distrital misto for aprovado para 2022 será um grande avanço. Para agora não há tempo, tem de haver uma transição. Esse seria o ponto alto da reforma. Mas deveria aprovar também a proposta de emenda constitucional (do senador Ricardo) Ferraço que veio do Senado e proíbe coligações, além de instituir uma cláusula de barreira. Isso seria importante, e não ficar apenas na proposta da Câmara. Se o distritão for aprovado, já elimina um pouco a proibição de coligações, mas não sei se o distritão passará no plenário.

 

A comissão aprovou o distritão com uma margem apertada de votos (17 a favor e 15 contra). O que isso significa?

Está muito dividido porque é evidente que existem deputados que só se elegem porque existe o sistema proporcional. O distritão é o ideal? Não, não é. O ideal é o distrital misto. Mas o distritão é melhor que o proporcional, no qual um deputado como Tiririca ou (Celso) Russomanno carrega outros deputados.

 

Uma crítica é que o distritão enfraquece os partidos. O senhor também vê dessa forma?

Não, porque os partidos já estão fracos. O sistema partidário já está fragmentado. Se esse sistema proporcional permitiu a pior fragmentação na história dos Congressos dos parlamentos do mundo, por que o distritão seria pior?

 

Por que, na sua visão, o distrital misto é o mais indicado?

Por duas razões. Primeiro porque fortalece o partido e a representação da comunidade, do distrito. O deputado que você vai votar é do distrito, você conhece. Isso trará a política para perto da sua casa. Em segundo lugar, o distrital misto também permite que o partido busque uma identidade.

 

O fundo é a melhor maneira de se financiar campanhas?

Acho horrível esse fundo de R$ 3,6 bilhões. Não concordo.

 

Acredita que a reforma terá resistência no Senado?

Acredito que o Senado avançou onde poderia avançar, o fim da coligação. Se for manter o sistema proporcional, você tem de acabar com a coligação. Ou você vai para o distritão, que entra o mais votado, ou você acaba com a coligação no proporcional. E em um segundo passo, votação por distrital misto.