Planalto quer o mapa das traições

Paulo de Tarso Lyra e Bernardo Bittar

04/08/2017

 

 

De ressaca e aliviado por ter conseguido escapar da denúncia por corrupção passiva, o presidente Michel Temer e ministros próximos sabem que, agora, é hora de segurar o sangue nos olhos de quem votou alinhado ao Planalto. Os aliados querem o expurgo dos infiéis, mas a cúpula do governo sabe que cortar cabeças poderá gerar traumas, especialmente em um momento em que se planeja retomar a agenda de reformas, especialmente a da Previdência, matéria constitucional que exige 308 votos para ser aprovada.

Vice-líder do governo na Câmara, Beto Mansur (PRB-SP) embarcou ontem para Santos com uma missão: mapear todos os votos contrários ao governo e buscar as justificativas dos ausentes na sessão de quarta, que durou mais de 12 horas. Na segunda-feira, volta para Brasília e vai se reunir com o líder do governo na Casa, Agnaldo Ribeiro (PP-PB), para comparar os levantamentos.

Apesar de saber que houve traições em todos os partidos e que a situação do PSDB preocupa, não se pode perder a oportunidade de um reajuste na base, defendeu Mansur. “Ninguém está proibido de seguir subindo com a gente. Com uma diferença: os fiéis vão de elevador, os infiéis que subam de escada”, declarou. O próprio Mansur, na véspera da votação, achava que o governo chegaria perto dos 300 votos. Parou em 263.

 

Afinidade

“Eu não sou estrategista do governo. Sou um deputado governista que defende quem nos apoia”, disse o vice-líder do PMDB na Câmara, Carlos Marun (MS), que teve todo o cuidado para agradecer ao grupo de deputados tucanos — 22 de uma bancada de 47 — que votaram com o governo na sessão de quarta. Com os demais, inclusive dos outros partidos, nenhuma piedade. “Quem se alinhou com essa denúncia inepta contra o presidente deveria ir imediatamente ao Planalto pedir a demissão de seus afilhados. Políticos não podem ser hipócritas neste momento”, exigiu Marun.

Para o peemedebista, a hipocrisia maior seria uma promessa de que, daqui para a frente, tudo vai ser diferente. “Não venham com essa historinha de ‘na próxima votamos com vocês’. Não pode ter uma próxima”, reforçou o vice-líder do PMDB. Os partidos do chamado “Centrão” — PP, PR, PTB, PSDB e PRB — esperam punições aos desertores para ver o que conseguem abocanhar de cargos na máquina pública federal.

Na tentativa de mostrar afinidade, o PR anunciou ontem que vai punir quem votou a favor da abertura de investigação contra o presidente.  Na bancada de 40 deputados, 28 defenderam o presidente, nove apoiaram a denúncia e três não votaram. “A Executiva Nacional notificará os casos de desobediência ao Conselho de Ética e Disciplina da legenda”, disse a nota oficial do partido.

De acordo com a direção do PR, será analisada a conduta do parlamentar em outras votações, para saber se esse comportamento poderá servir como agravante ou atenuante. “Segundo a gravidade da conduta apurada, serão avaliadas punições que retirem do parlamentar a preferência na composição das comissões permanentes da Câmara e o impedimento prévio de indicações para relatorias e presidências”, conclui o documento.

Temer quer esperar a poeira baixar. Na noite de quarta, recebeu um grupo de parlamentares em seu gabinete, junto aos ministros mais próximos. Estava aliviado, mas confidenciou ao relator Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) ter ficado incomodado com vários discursos de opositores chamando-o de ladrão.

 

Rodrigo Maia

Fez questão também de um gesto de reaproximação com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ligou para agradecer o comportamento que ele teve ao longo de toda a crise — Maia admitiu, ontem, em diversas entrevistas, ter sido leal ao impedir um desembarque do DEM e do PSDB, o que derrubaria o governo. Temer também elogiou a conduta do aliado fluminense durante a sessão, ajudando o Planalto a atingir o quórum necessário para a votação.

Após o término da sessão de quarta-feira, Rodrigo Maia demonstrou incômodo com “alguns assessores do círculo próximo do presidente” que teriam insuflado a versão de que ele trabalhara, mesmo discretamente, para derrubar Temer. “Aqui, ninguém sabe de onde ele tirou isso ou a quem está se referindo”, despistou um interlocutor palaciano. Ainda assim, Maia acha que é momento de recomposição. “Agora é olhar para o futuro e trabalhar as reformas que estão por vir. Buscar apoio e não desavença”, declarou ele.

Aliados de longa data de Temer, contudo, apostam que a retaliação virá, mesmo que demore. Um deputado da base contou ao Correio que, com certeza, o presidente vai articular punições a quem votou contra ele. “Se acharam que ele estava fazendo esforço máximo para atrair aliados, esperem para ver do que ele será capaz quando for punir os adversários”, ameaçou um governista.

 

 

Correio braziliense, n. 19792, 04/08/2017. Política, p. 2.